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05/DEZ/2024

Hábito de homens se fantasiarem de mulher no carnaval é um ritual de inversão

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Agência Brasil Publicação:02/03/2014 13:36
Bloco Cordão do Boitatá na Praça XV no Rio de Janeiro (Walter Mesquita/Ascom Riotur)
Bloco Cordão do Boitatá na Praça XV no Rio de Janeiro

O carnaval de 2014 expõe novamente um hábito bastante comum entre os homens, durante bailes e desfiles que festejam a data: usar fantasias de mulher. Na avaliação da socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, o costume poderia surpreender nos anos de 1940, no Rio de Janeiro, mas atualmente “já se tornou quase um lugar comum”.

Ela explicou neste domingo (2/3) à Agência Brasil que a preferência dos rapazes por usar roupas femininas no carnaval revela uma vontade de transgredir. “Esse atravessamento de gênero, justamente de homens fortes vestidos com roupas de mulher, com salto alto, se tornou uma marca do carnaval, que acentua, na cultura brasileira, esse momento de transgredir com uma série de coisas”.

Segundo a socióloga, a transgressão de gênero é a mais simples de ser produzida com uma fantasia. “Por outro lado, é a mais surpreendente. Virou uma marca, realmente, do carnaval carioca”.

O antropólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto DaMatta, disse à Agência Brasil que o costume de homens se fantasiarem de mulher sempre existiu. “É permanente em todos os carnavais. E digo mais, até em carnavais na Rússia de Catarina II, em 1700”.

Para DaMatta, como para os demais antropólogos, o ritual carnavalesco ocorre na maioria das sociedades do mundo, “senão em todas”. Trata-se do ritual da inversão. “É o ritual da licença, onde os opostos da sociedade rotineiros se invertem. As mulheres podem se comportar como homens, caso dos destaques das escolas de samba. São as supermulheres que os homens têm medo de chegar perto. Elas são castradoras de tão bonitas e agressivamente eróticas”. Essas mulheres se transformam nos 'dom Juan' (conquistador) de outrora, comparou. DaMatta argumenta que nos próprios blocos de rua, as mulheres apresentam agora um comportamento sexual mais agressivo.

Em relação aos homens, de forma específica, indicou que é muito comum, sobretudo em cidades de menor porte, no interior brasileiro, a juventude de classe média e alta se vestir com as roupas de suas mães e irmãs e sairem às ruas, “fazendo sátira de comportamento feminino, porque é carnaval”. Outra interpretação que pode ser feita é que esse costume poderia traduzir uma vontade oculta de esses homens serem mulheres, admitiu.

De modo geral, DaMatta avaliou que quando os homens brasileiros se vestem de mulheres, isso revela "o poder que as mulheres têm na vida rotineira brasileira, que não é, obviamente, discutido e reconhecido nem mesmo pelas mulheres”.

A antropóloga Yvonne Maggie, também da UFRJ, concorda integralmente com Roberto DaMatta. Na sua opinião, a inversão de comportamento é uma característica estrutural do carnaval. “É uma estrutura de festa na qual as pessoas invertem sua posição no cotidiano”. Não se trata de uma forma de transgressão, observou, porque, “no dia a dia, na vida comum, os homens são machistas, homofóbicos. E só durante os dias de carnaval, as pessoas se permitem inverter a sua posição. É um ritual de inversão”, reiterou.

O que chama a atenção, acrescentou, é que ao contrário dos anos de 1940, quando os blocos eram mais restritos, hoje são milhares de pessoas pelas ruas durante o carnaval. Destacou que não se deve interpretar o uso de fantasias femininas por homens como uma postura rebelde em relação à visão de gênero. “É o reforço do cotidiano, porque você só pode fazer isso no carnaval. Ou seja, durante 362 dias da vida, as pessoas têm que agir como homem e como mulher. E no carnaval, elas são liberadas”, disse.

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