Brasília-DF,
13/FEV/2025

Em entrevista, cozinheiro André Magalhães fala sobre o preparação de bacalhau

Em uma rápida passagem por Brasília, o chef português experimentou o famoso bacalhau de Francisco Ansiliero, do restaurante Dom Francisco

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Rebeca Oliveira Publicação:27/12/2013 06:13Atualização:26/12/2013 13:59

Consumo do peixe aumenta em duas épocas comemorativas do ano: durante a Páscoa e o Natal. Na foto, bacalhau desfiado ao forno, do restaurante Dom Francisco
 (Igor Estrela/Divulgação)
Consumo do peixe aumenta em duas épocas comemorativas do ano: durante a Páscoa e o Natal. Na foto, bacalhau desfiado ao forno, do restaurante Dom Francisco

O bacalhau equivale aos portugueses o que a feijoada simboliza para os brasileiros. O peixe é amplamente apreciado em terras lusitanas — Portugal é o país que mais consome a iguaria no mundo. André Magalhães, cozinheiro, crítico gastronômico e cronista português, é especialista no preparo do peixe e em seus acompanhamentos. Para a sorte de seus conterrâneos, ele tem um restaurante em Lisboa, Taberna da Rua das Flores, onde põe em prática o resultado do seu trabalho de pesquisa (como professor acadêmico) e de suas viagens.

“O bacalhau compõe todo um universo gastronômico, ou seja, dentro do bacalhau temos picanha, cupim e filé mignon”, explica. Em uma rápida passagem por Brasília, o chef português experimentou o famoso bacalhau de Francisco Ansiliero, do restaurante Dom Francisco (em junho, o prato foi considerado o prato mais tradicional da cidade pelos leitores e chefs do Divirta-se Mais).

“Costumamos brincar que temos mais de 365 formas de preparo, uma para cada dia do ano”, diverte-se Magalhães. A respeito do bacalhau preparado em Brasília, o português se rendeu a receita de Francisco. “Ele sabe tratar bem um bacalhau. Comi assado, na grelha e estava extraordinário”, elogia. Na casa, o bacalhau desfiado ao forno custa R$ 87 e serve duas pessoas.

Segundo André Magalhães, a parte mais apreciada do peixe é o lombo, mais alta e macia. Mas, do bacalhau se extrai tudo, da cabeça ao rabo: inclusive a língua e as bochechas, consideradas carnes nobres e caras. De acordo com o chef, em Portugal, o bacalhau é consumido cozido, acompanhado de batatas e grãos, à Brás ou à Gomes de Sá.

Frequentemente, o peixe é temperado apenas com azeite. De acordo com André, não é necessário o uso de muitas especiarias. Bastam alho, coentro, salsa e uma erva que não tenha sabor muito forte. “É mais que suficiente para condimentá-lo”, completa.

Apesar de todo o sabor marcante, o bacalhau tem fama de ser um peixe de difícil preparo. A seguir, o chef português dá dicas importantes para quem pretende cozinhar a iguaria. Aproveite que o período favorece a compra de bacalhau e se delicie com o sabor marcante deste peixe.

 
Confira a entrevista com o chef André Magalhães

O bacalhau equivale aos portugueses o que a picanha simboliza para os brasileiros?

Acho que podemos ir muito mais longe que isso. Este peixe compõe todo um universo gastronômico, ou seja, dentro do bacalhau temos picanha, cupim e filé mignon. Temos o bacalhau tão entranhado em nossos hábitos alimentares. São vários tamanhos e preços, e temos até bacalhaus especiais, com mais de oito quilos. Mas, quando eles são salgados, perdem cerca de 40% do seu peso. O preço do bacalhau abaixa em função do tamanho, mas mesmo os pequenos são cortados em postas e separamos diferentes partes para diferentes tipos de uso culinário.

Quais seriam essas partes e seus respectivos usos?

André Magalhães, chef e crítico gastronômico português, vê no bacalhau um 'universo gastronômico' a ser explorado  (Arquivo Pessoal)
André Magalhães, chef e crítico gastronômico português, vê no bacalhau um "universo gastronômico" a ser explorado
A parte mais apreciada é o lombo, é alta e macia. Fica junto a espinha. Em um bacalhau normal, o lombo equivale a 20% de sua área, é quase o filé do bacalhau. Para cima do lombo temos partes mais nobres, que não podem ser muito cozidas para não perder o sabor e a textura. Temos também o pescoço, que tem badanas (pescoço e barbatanas laterais), é a parte mais gelatinosa. A gelatina é o colágeno do bacalhau, como se fosse o mocotó, seu caldo vira uma camada grossa. Geralmente está nos ossos dos mamíferos e os peixes também tem isso. Os molhos ficam mais cremosos, espessos e saborosos. Usamos essa parte para desfiar e combinar com algumas coisas, como o bacalhau com salada de grão de bico. Essa é uma das partes mais saborosas. O rabo e as asas laterais são partes finas e secos, usamos para desfiar e fazer arroz de bacalhau e para incorporar em tortas e coisas do gênero. Além disso temos a língua do bacalhau, que são caras, é dá para fazer arroz de língua. Tem gente que faz empanado e frito, com farinha e ovo. Tem a cabeça do bacalhau, uma parte que comemos normalmente cozidos por si só com batatas, cenouras e alho. É uma coisa para comer com calma e aproveitar todas as partes. Temos ainda a bochecha do bacalhau, que também é muito cara. É uma parte redonda que fica na cabeça do bacalhau. E a bexiga natatória do bacalhau, que as pessoas erroneamente chamam de tripas. Parece a dobradinha. Normalmente cortamos em tiras e cozinhamos com grãos, como se fosse um feijão. Usamos tudo do bacalhau, da cabeça ao rabo. Esses aproveitamentos, associados a preparações culinárias, possibilitam muitas receitas. Temos um vasto campo.

Dessas receitas, qual é a mais tradicional?

É difícil dizer porque costumamos brincar que temos mais de 365 formas de preparo, uma para dia do ano. Mas, há três ou quatro que são mais usadas: o bacalhau à Brás, à Gomes de Sá e o cozido com batatas e grãos, este é quase como a feijoada, comemos uma vez por semana. Todo restaurante ou boteco tem. É um prato popular. Esses são os principais, mas cada região e família tem suas receitas. Outra receita muito famosa é o bacalhau com natas, gratinado com mel e batatas. Parece uma lasanha. Temos realmente muitas receitas.

Como você o utiliza?

Temos uma taberna e procuramos a essência de pequenos restaurantes de antigamente. Para mostrar justamente que as pessoas que querem só o filé mignon há muito desperdício de comida. A gente faz o contrário, usamos todas as partes para valorizar o bacalhau, é possível fazer pratos incríveis com partes menos nobres. Usamos muito das badanas, em saladas por exemplo, e outras partes mais pobres, digamos assim. Aproveito até o rabo para fazer um sal com ele. Temos muitos usos.

Qual um erro comum no preparo de bacalhau?

Um dos grandes erros é cozinhar demais, deixar muito tempo na água fervente. Normalmente as pessoas jogam a água em que ele foi cozido fora e é justamente ali que está o sabor. Dá para aproveitar o caldo, colocando na geladeira e usando para fazer molhos.

Quais as características do bacalhau?

Ele é um peixe que tem gordura, mas o fato de ser salgado tira essa gordura, ela é praticamente transformada nesse processo de cura. Isso faz com que ele se torne muito saudável. São gorduras boas! Um bacalhau fresco causa quase a mesma sensação do salmão, mas só comemos ele curado, então essa sensação fica diferente.

Como ele é transformado de fresco para seco?

Isso é feito em escala industrial. Os grandes produtores de bacalhau são a Noruega e a Islândia, e Portugal é o maior consumidor do mundo. Tem alguns pescadores portugueses que pescam na região nórdica também. No processo de cura o bacalhau é aberto ao meio e é posta em uma salmora. Fica assim até ir aos postos de secagem. Ele é coberto com sal grosso e posto em uma câmara de secagem. Antigamente, isso era feito no sol, mas levava muito tempo e requer muita mão de obra. Hoje tudo é feito industrialmente. Os portugueses tem uma cura particular, o nosso é mais seco e com um teor de sal um pouco acima do que existe nos outros países. Geralmente é o mesmo vendido aqui no Brasil.

O bacalhau tem um teor de sal muito elevado. Como deve ser temperado para não ficar muito salgado?

É muito importante a dessalga do bacalhau. Deixamos ele de molho por 24 horas em água fria, para ele não fermentar e estragar. O ideal é manter na geladeira. Sempre com a pele virada para cima, porque se ele ficar para baixo retém o sal do peixe, ela é impermeável. Com a pele para cima, o sal fica na água e não no peixe. É preciso mudar a água várias vezes. Quanto mais mudarmos mais rápido ele dessalga, pelo menos 4 vezes ela precisa ser trocada. Depois nós cozinhamos ele. Convém não cozinhar muito, para não perder o colágeno e a gordura natural dele. Não é preciso uma quantidade muito grande de água. A melhor maneira de faze-lo é confitado, mergulhando em azeite em forno em torno de 80ºC por cerca de 20 minutos. Fica delicioso! Também podemos assá-lo no forno, sempre tampado para a água dele não evaporar e ele não ficar ressecado. Dá para fazer assado na brasa, como se fosse um churrasco, tomando cuidado para não deixar muito tempo e ele perder os sulcos. Tem mil maneiras de preparar, e no final, sempre temperamos com azeite. O bacalhau não precisa de muitas especiarias, só de alho, coentro, salsa e uma erva que não tenha sabor muito forte. É mais que suficiente para condimentá-lo.

O que achou do bacalhau feito no Brasil?

Comi o bacalhau do Francisco, que é um grande cozinheiro e aprendeu a cozinhar com cozinheiros portugueses de Trás-os-Montes, há muito tempo. Ele sabe tratar bem um bacalhau. Comi assado, na grelha e estava extraordinário.

Qual o melhor acompanhamento para ele?

Dizemos que o ideal é só batata cozida com pele. Na hora de servir, retire a pele e sirva com azeite. É a maneira mais natural. Mas fica muito bem com legumes servidos no vapor, como brócolis, cenoura, couve portuguesa. E também com grão de bico cozido. O arroz também é bom, podemos fazer um arroz caldoso, com muito molho, e servir com tomate e bacalhau.

E para beber?

Em Portugal, geralmente servimos ele acompanhado de vinho tinto. É a exceção da regra que peixes combinam melhor com vinho branco. O bacalhau tem um sabor forte, como os embutidos, e ele aguenta um tinto. Eu, pessoalmente, prefiro com um vinho branco encorpado com uns 4 anos, é uma ótima maneira. Aqui no Brasil há espumantes de muita qualidade e boa acidez que funcionam muito bem com alguns pratos de bacalhau. 

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