Brasília-DF,
10/DEZ/2024

Renato Fino lamenta sobre a situação sociopolítica da cidade

O escritor é proprietário do Senhoritas Café, no Bloco E da 408 Norte, em funcionamento desde 2007

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Rebeca Oliveira Publicação:27/01/2017 06:02Atualização:27/01/2017 09:24

Escritor e proprietário do Senhoritas Café, Renato Fino critica as políticas públicas que influenciam no desenvolvimento da cena cultural da capital (Bárbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)
Escritor e proprietário do Senhoritas Café, Renato Fino critica as políticas públicas que influenciam no desenvolvimento da cena cultural da capital

 

“Brasília não foi feita para a cultura”


A frase acima pode soar paradoxal quando proferida por Renato Fino, escritor e proprietário do Senhoritas Café, no Bloco E da 408 Norte, em funcionamento desde 2007. Embora soe polêmica, foi a forma encontrada por ele para chamar a atenção de quem consome arte ou vive dela para a atual situação sociopolítica na cidade.

O maior lamento de Renato Fino é o de ser abafado pela Lei do Silêncio, ainda sem definição prática que encontre um meio termo entre o que anseiam os agitadores culturais e os moradores. Foi essa uma das razões para não colocar o Bloco da Tesourinha, do qual é um dos idealizadores, nas ruas do quadradinho no Carnaval de 2017.

“Não vamos sair por vários motivos, entre os quais está a Lei do Silêncio. Imaginei que fossem me ligar para entender essa decisão e tenho uma resposta pronta: Brasília não foi feita para a cultura. Aqui, ela tem sempre que bater continência para algo ou alguém. Ela se arrasta, os artistas agonizam. Temos que pedir autorizações e mais autorizações, e ela não flui. Brasília é multicultural no encontro, mas não na livre manifestação”, indigna-se. Ainda assim, não para de produzir, por resiliência e paixão. Ele acaba de inaugurar uma vitrine de livros no café e encabeça uma semana literária marcada para o mês de maio.

Cadê o som?

“O Senhoritas completou 10 anos e nasceu com uma proposta cultural de unir música, artes visuais e literatura. Mas a música, por conta de Lei do Silêncio, foi banida completamente do café. E lá, o que era a atividade cultural principal, com noites temáticas de vários gêneros, acabou morrendo. Depois de receber muitas multas, a atividade predominantemente hoje é a literatura, com lançamentos de livros e escritores. A Lei do Silêncio foi um dos maiores golpes ao longo dessa década. Brasília está entre as cidades que mais formam músicos, com o Curso de Verão, a Escola de Música, além da UnB, e os músicos não encontram espaço para tocar. O governo do DF tem mania de falar que Brasília é a capital musical, mas é a capital onde não se pode exercer a música. Parece, também, que existe uma questão de mentalidade, de moradores de Brasília que se apropriaram do espaço do Plano Piloto e querem viver nesse espaço como quem vive em um sítio. Estamos na capital do país. Isso não é uma fazenda! As pessoas se apropriam disso, compram um apartamento que vale uma nota e usam desse aparato que o governo oferece, e um indivíduo, sem se identificar, pode fechar um estabelecimento. Isso é uma das coisas que estamos tentando mudar.”


Resiliência literária


“Apesar disso, não vou desistir de produzir eventos. Em primeira mão, adianto que eu, Nicolas Behr, José Resende Jr., Jéferson Assunção e André Giusti estamos organizando uma semana literária, a começar no dia 22 de maio, com duração de seis dias, que se chamará Movida Literária — Ler ate cair. Será um evento com a mistura de boemia e literatura, em seis espaços em Brasília (um deles, fora do Plano Piloto). Em cada noite, teremos duas sessões de entrevistas, com um mediador e dois autores, escritores ou poetas, com duração de até uma hora e meia. Depois, outro mediador, com outros poetas, assume a bancada, encerrando com debate aberto para o público. O projeto, em andamento, está em busca de parcerias com cervejarias artesanais. Serão 24 autores e a maioria já foi selecionada.”

A tal recessão


“O momento de crise financeira me assombra. Vamos nos virando. Se pudesse continuar oferecendo música, tudo seria diferente. É uma forma de gerar renda para o café, de gerar emprego para os músicos. O Senhoritas muitas vezes acaba parecendo um divã. As pessoas chegam aqui como se eu fosse um psicanalista da cultura. Elas me questionam: o que está acontecendo com a cidade? E eu tenho a mesma resposta. Não podemos mais fazer música, um encontro na praça, o carnaval tem que se submeter a um monte de coisas. É burocrática, administrativa, e a arte não pode se manifestar, a não ser dentro de instituições públicas, ou de bancos, como CCBB, Caixa Cultural, ou eventos com produção e patrocínio do governo. A cultura espontânea, a mais bonita, feita por e para o povo, é bem mais difícil de se manter.”

Combustível e inspiração


“Meu combustível para escrever é uma necessidade interna. Eu escrevo porque sinto necessidade. Escrevo para mim. Tenho falado muito, e, com essa última novela que lancei, O gênero eterno, tive uma percepção grande do que é escrever o livro e do processo de escrita. Notei que o livro se escreve, é um ser vivo. Todos os livros que produzi começaram a partir de um tema que fica meses na minha cabeça, quando começo a escrever, não tenho noção dos personagens, e eles aparecem ao longo da história, por mais que eu queira traçar um esqueleto. Não consigo arregaçar as mangas e escrever um livro — é como um vinho, ele fica ali, decantando. Tenho vários arquivos que estão em finalização e sei que, daqui a um ou dois meses, um deles vai aparecer.”

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