Do campo para a mesa: o período e o clima são propícios para a comida da roça
A boa-nova? A cozinha caipira está na moda e disponível em Brasília o ano inteiro. Confira as dicas do Correio para você!
Rebeca Oliveira
Renata Rios
Publicação:07/07/2017 06:00Atualização: 07/07/2017 11:22
No Brasil, oito em cada dez habitantes moram em centros urbanos. O dado foi divulgado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mesmo com a maioria da população vivendo nas cidades, está em alta uma corrente gastronômica que vai no contrafluxo do que prega a multifacetada rotina cosmopolita.
A comida da roça resiste e está na moda. Ainda que não tenham memórias da infância em fazendas, hábito comum há um punhado de anos, glutões do Distrito Federal estão bem abastecidos nesse segmento gastronômico. Esta semana, Divirta-se Mais calçou as botas e saiu em busca dos sabores do campo.
Carne de lata, galinha caipira, arroz com suã, rabada. Receitas como essas não perdem espaço para invencionices gastronômicas. Mantêm lugar cativo no coração dos comensais que admiram preparos impregnados de tradição e história. Essa comida elaborada como um resgate do passado está ligada aos pequenos produtores.
“Não estamos exclusivamente preocupados com o pequeno produtor, mas com o produto menos viajado. Isso é fundamental. Há uma adaptação entre os ingredientes que havia no final do século 17 e 18 na região com os disponíveis hoje”, defende Léo Hamu. Na fazenda do goiano, na zona rural do Paranoá, são feitas as suculentas carnes de lata e linguiça caipira que abastecem espaços como a Toca do Chopp, na Quituart.
No Rancho Canabrava, em Sobradinho, é possível sentir o clima de fazenda in loco. A 25km do centro de Brasília, o espaço abre as porteiras todos os fins de semana com uma série de pratos fumegantes servidos no fogão à lenha, preenchidos com delícias tipicamente mineiras.
Produtos fresquinhos são servidos no Vó Iá Café
Café de avó
Para começar bem o dia ou para um saboroso lanchinho da tarde, a comida da roça capricha nos quitutes. Fica até difícil escolher entre tantas opções deliciosas. No cardápio da Vó Iá Café, o cliente consegue ter a sensação de chegar àquela cozinha farta e cheia de alternativas típicas da roça.
Que tal fugir do espresso e partir para um café coado? “São duas variedades de café que combinam com o clima da fazenda: o passado na prensa francesa (R$ 7,90), que tem uma intensidade intermediária, e o coado (R$ 4,90), que é mais suave”, explica o sócio da casa, Márcio Luís Petraccone.
O charme fica por conta de o café coado ser passado na frente do cliente: “A água quente vem em um bule, o pó em um suporte com o coador e, dessa forma, o cliente pode escolher a intensidade da bebida”, garante.
À mesa podem ir ovos mexidos (R$ 9,50, com três ovos), biscoito de queijo (R$ 6), pão na chapa (R$ 4,90) ou com requeijão (R$ 5,90) ou um tradicional e cremoso bolo de milho (R$ 8,50). “Tudo aqui é fresco, igual na fazenda. Os biscoitos são assados na hora e o bolo é sempre do dia”, promete Márcio.
Arroz de suã do Le Birosque: do interior para a Quituart
Carne de porco sem preconceito
Os italianos Fasano e La Tambouille são apenas dois exemplos de restaurantes renomados onde Luiz Trigo trabalhou antes de se mudar para Brasília.
A herança italiana dos avós somada a essa experiência pode até falar alto, mas o chef e professor gastronômico natural de Ituverava, no interior de São Paulo, nunca se esqueceu das raízes brasileiras.
Por conta disso, aos sábados e domingos, Trigo começou a servir arroz de suã (R$ 40, individual; R$ 75, para duas pessoas; ou R$ 105, para três pessoas) no Le Birosque, casa sob seu comando na Quituart.
Menos popular que bacon, porchetta, lombo ou pernil, a suã é a coluna cervical do porco, corte muito comum nas cozinhas caipiras.
No prato de Luiz Trigo, o arroz é cozido no caldo gelatinoso resultante do cozimento da suã. Para finalizar, é combinado à linguiça caipira e couve crocante.
“Quando se abate o porco, a primeira coisa que se faz é o arroz de suã porque é uma carne bastante perecível. É um corte bastante difícil de encontrar. Comia muito na minha infância. As pessoas ainda têm um pouco de preconceito quando se fala de onde vem a suã, mas é uma tarefa dos chefs tirar a má impressão”, diz.
Por fim, ele dá o conselho: prove a receita com uma dose de cachaça artesanal. A mineira Encantos da Marquesa custa R$ 10.
Já a branquinha brasiliense Authoral, reconhecida nacionalmente, sai por R$ 25, a dose.
Léo Hamu vende carne na lata e linguiça caipira para vários restaurantes do DF
A ascensão da pura cozinha regional
Nascido em Formosa, Léo Hamu trabalha no campo há mais de 40 anos. Por muito tempo, foi professor de turismo rural no Centro de Excelência em Turismo na UnB. “Queria propagar conhecimento”, recorda-se.
Há três décadas, o zootecnista com inegável dom para a cozinha começou um trabalho com bares e restaurantes.
Hoje, essa é uma das principais atividades do goiano. Na fazenda em Rajadinha, região rural do Paranoá, faz a carne de lata (R$ 45, 1kg) com copalombo, pernil, paleta e fraldinha suínos. Eles são cozidos e repousam na gordura do animal, comprada de frigoríficos locais.
Cortadas na ponta da faca, as mesmas proteínas recheiam as linguiças caipiras, vendidas por R$ 45, o quilo.
A banha usada para conservar ambas as carnes não é a mesma do toucinho de lombo ou da região do abdômen do porco. É a visceral, com sabor muito mais suave.“É uma rede de tecido adiposo que recobre o sistema digestivo dos animais e se acumula na papada dos porcos”, diferencia o produtor.
Galinha caipira: vedete do restaurante Dona Graça, na Vila Planalto
Abaixo o fast-food!
As pessoas estão se cansando da comida congelada e industrializada, sem alma e sem personalidade. Para Marcelo Veras, do restaurante Dona Graça, essa é uma das razões para a crescente valorização da cozinha caipira.
“A comida da roça, preparada no dia a dia, é mais saudável, feita na hora, com gostinho caseiro. É isso que o publico procura: o sabor artesanal e a fuga do congelado”, acredita o filho da cozinheira que batiza o restaurante localizado na Vila Planalto.
Aberto há 25 anos, o Dona Graça tem entre as receitas mais populares a galinha caipira. Por R$ 49,90, a iguaria regional serve duas pessoas. À mesa, tem companhia de arroz, feijão, farofa do dia (como a de carne desfiada) e pirão de galinha. Antes disso, o cliente é agraciado com salada de folhas verdes com tomate.
“Minha mãe é piauiense e sempre amou cozinhar. Começamos o negócio pequenos, vendendo marmita. De mesa em mesa, hoje temos 144 lugares”, orgulha-se Marcelo Veras.
O bufê do Rancho Canabrava tem uma variedade que chama a atenção
No rancho fundo
Cozinha feita de maneira simples e sem pressa. Todos os fins de semana, o Rancho Canabrava, em Sobradinho, é tomado por um ar nostálgico que dá gosto de ver. Inspirado na gastronomia mineira, o restaurante com duas décadas de funcionamento dispõe de pernil à pururuca, frango ao molho pardo, torresmo, frango com açafrão, tutu de feijão, angu, costelinha com canjiquinha e outras dezenas de combinações no fogão à lenha.
Os preparos são servidos em esquema de bufê (R$ 44,90, por pessoa). O preço não inclui sobremesa (R$ 34,90, o quilo) ou bebida. “A comida da roça usa temperos básicos: alho, sal e cebola. A diferença é que é servida no fogão à lenha e incorpora o gosto defumado. Como o cozimento é mais lento, ela absorve melhor os temperos”, define uma das sócias, Anna Maria de Lucena Rodrigues.
Licor de figo ou de araticum, fruto típico do cerrado, são um mimo do espaço e engrandecem a experiência.
Haras
A família dos proprietários do Canabrava veio de Curvelo, em Minas Gerais, e trouxe a primeira leva de cavalos mangalarga marchador para Brasília. Por conta disso, ainda hoje, o local funciona como haras e oferece aulas de equitação.
O mexidão mineiro do D%u2019Lurdes reproduz a tradição de reaproveitar o almoço para fazer o jantar
Trem bão, sô!
A comida mineira tem lembrança de fazenda. “Aqui no D’Lurdes, a comida é simples, mas com o tempero muito bom”, garante a proprietária, Meire Gontijo. Na casa, os pratos ficam disponíveis em dias da semana, além de alguns dos preparos virem com a opção de servir a família toda.
O mexido mineiro (R$ 29, individual e R$ 58, para a família) é uma aposta que traz um costume que vai além da roça. “Em Minas é comum se usar o resto do almoço para fazer um mexido para o jantar. Nos inspiramos nisso. Aqui fazemos tudo fresquinho, mas dá aquela lembrança da comida da nossa mãe”, detalha Meire. Na mistura vai arroz, feijão, carne suína, bacon e couve. O prato é servido às terças, mas aos domingos, ganha uma versão especial que vem com picanha na chapa, por R$ 99.
Outra opção é a galinha com quiabo (R$ 39, individual e R$ 78, para a família), acompanhada do angu de milho-verde, arroz e feijão. “Muita gente vem aqui por causa desse prato. A gente procura instigar a lembrança daquela comidinha que a gente comia na infância”, explica.
Nos sanduíches do Mei di Minas, o pão tradicional dá lugar ao pão de queijo
Mineiríssimo!
Desde maio, Josias de Freitas e Jaques Mourad colocaram em prática uma ideia que gestaram mais de ano. Foi quando começou a funcionar a “pão de queijaria” Mei Di Minas, onde o pão convencional dá lugar ao mineiríssimo pão de queijo.
“Queremos fugir do padrão associado a receitas e restaurantes de Minas Gerais, aquela imagem de cozinha da vovó”, argumenta Josias. O sanduíche doidimais (R$ 18,90) vem recheado com rabada desfiada ao molho marinara, ratatouille, picles de cebola roxa e queijo minas meia cura. O vacaiado (R$ 22,90), com costela bovina, queijo minas meia cura e vinagrete metido a besta — com as mesmas ervas do molho chimichurri.
A veia de boteco mineiro com um pé no contemporâneo também se faz presente nas porções generosas servidas no espaço. A óprôcêvê (R$ 39,90) tem costela bovina, vinagrete metido à besta e farofa de pão de queijo.
A coitádocê (R$ 32, 90) tem a mesma rabada que recheia o sanduíche mais molho marinara e farofa de pão de queijo. As duas harmonizam com a cerveja gaúcha Anarkhia Double Trouble, uma double IPA intensa com 8% de teor alcoólico (R$ 27–1l). O cafezinho coado é cortesia.
Há 35 anos na cidade, o Bar do Amigão aposta na carne cozida como uma opção com a cara da roça
Com caldo e tempero
"Acredito que estamos na quarta geração de clientes". Essa é uma das alegrias de Rommel Akio Arak, sócio do Bar do Amigão. O ponto, como se pode entender pelo orgulho dele, é uma referência de comida caseira e bem temperada na capital. “A nossa comida é para lembrar a caseira — acaba que alguns preparos se misturam com a comida da roça, como a carne e o frango cozidos”, explica.
Um dos pratos servidos diariamente é o PF de carne cozida (R$ 15). "Temperamos a carne com uma combinação simples, mas que garante um bom sabor: alho, cebola, pimenta-do-reino, colorau, tomate e sal", revela Rommel. Para compor o PF, arroz, feijão, macarrão e salada de alface e tomate. O preparo ainda pode vir à mesa em outros dois formatos: tira-gosto (R$ 4,50) ou frito (R$ 4,50).
Nova casa
Até o fim do mês de agosto, os fãs do Bar do Amigão ganharão uma nova loja em Águas Claras. O ponto deverá ficar na Avenida Jequitibá e trará a tradição da casa para a cidade.
O doce de abóbora do Divino Fogão arranca suspiros
Doçura do pomar
Quando se fala de comida de roça, o Divino Fogão entra de cabeça na proposta. A casa traz preparos característicos da fazenda na cidade. “Quando se fala de comida de roça, ela é baseada no arroz e feijão preparado com tempero especial, que nos remete ao sabor da infância ou da casa da avó”, explica Luciano Aquino, gerente de gastronomia da franquia.
No bufê (entre R$ 59,90 e R$ 64,90) estão clássicos da fazenda, como costelinha, frango com quiabo, feijão-tropeiro, tutu de feijão e linguiça.
O toque da roça que não sai da cabeça dos apaixonados por essa culinária são os doces. As compotas, doces de tacho, pudins, bolos e tortas colocam em voga a tradição de aproveitar a produção do pomar na cozinha, garantindo o mínimo de desperdício das frutas.
Um bom exemplo é o doce de abóbora, feito da forma clássica, que as avós já ensinavam. “É uma tradição da culinária do interior. Vários de nós tivemos a experiência de conviver com as avós que preparavam tachos de doces, especialmente em datas comemorativas”, explica o gerente.
Aquino garante que as sobremesas conquistam corações nos bufês. “Mesmo quem não tem costume de comer doce todos os dias, acaba se rendendo às sobremesas. Além de saborosas, elas atraem pela beleza. As pessoas acabam comendo com os olhos”, ressalta.
Onde comer
Bar do Amigão
(506 Sul, Bl. B, lj. 46; 3244-1109), aberto de segunda a sexta, das 11h às 23h; e sábado, das 11h às 18h.
D’Lurdes
(QE 30, Conj. K, cs. 9 e 11, Guará II; 3382-6625), aberto diariamente, das 11h às 15h; e das 18h às 23h.
Dona Graça
(Rua 7, Lt. 15, Vila Planalto; 3032-1062), aberto de segunda a sexta,
das 11h30 às 15h.
Divino Fogão
(SDN, Conj. A, nº 2033; Conjunto Nacional; 3342-1048 e SCS, Q. 7, Bl. A, lj P309; Shopping Pátio Brasil; 3034-8894), aberto de segunda a sábado, das 12h às 22h; e domingo, das 12h às 20h.
Le Birosque
(QI 09/10, Quituart, Lago Norte; 98111-9853), aberto sexta, das 12h às 23h; e sábado e domingo, das 12h às 16h.
Léo Hamu
(leohamu@uol.com.br ou 99966-9156), encomendas diariamente, por WhatsApp. Os produtos também estão à venda na Toca do Chopp (Quituart), no Mercadinho do Brasília Shopping e no Ceasa, aos sábados pela manhã.
Mei di Minas
(409 Norte, Bl. C, ljs. 15 e 19), aberto de terça a sábado, das 17h à 0h.
Rancho Canabrava
(Chácara 46, Núcleo Rural, Sobradinho I; 3591-1694), aberto sábado, domingo e feriados, das 12h às 16h.
Vó Iá Café
(CLSW 301, Bl. C, lj 72, Sudoeste; 3553-8200), aberto diariamente, das 9h às 22h.