A alegria de Paul McCartney com a vida pelos palcos do Brasil e do mundo
Mesmo em um dia de chuva o ex-beatle contagia o público com sua simpatia

Alguns ali procuravam — e encontraram — a fonte sonhada por Ponce de León, que prometia a volta da juventude; outros eram curiosos e havia fãs, uma penca deles. Enfim, motivações várias. Mas qual força move um homem que tem o mundo a seus pés para viajar milhares de milhas; um sujeito que está entre os mais ricos do planeta e que, ainda por cima, tem uma criança pequena em casa para cuidar?
E mais: para tocar canções que fez aos 20 anos de idade e que não ficariam bem na boca de outro setentão: “Bem, ela só tinha 17 anos, você sabe o que quero dizer; a beleza dela não se compara. Como poderia dançar com outra, quando a vi parada lá?”. Cabem acusações sérias, aí, não?
Musicalmente, ele também é outro: autor de peças eruditas belíssimas — Ecce Cor Meum, tem um brilho único —, de canções sem intenções comerciais (no duo The Fireman), de experiências eletrônicas radicais (Liverpool Sound Collage) e de sofisticações raras na música popular.
Foi quando eu virei o giglê e desliguei o cérebro. Não havia uma explicação racional. E quando vi a transmissão do show paulista pela tevê tudo ficou claro a partir do brilho dos olhos do músico em close; havia ali uma alegria autêntica em repartir aquele momento com as pessoas e recolher a energia que voltava para ele de forma tão positiva.
Essa força explica o respeito que ele tem pelas pessoas que vão vê-lo, a ponto de cantar músicas datadas, até pueris, mas mantendo o espírito juvenil e até mesmo teatralidades que ultrapassam o senso meramente profissional.
McCartney parece estar no palco para nos mostrar que a vida se oferece para todos, senão com a mesma intensidade, pelo menos com oportunidades iguais. É uma estranha injeção de otimismo, um antídoto ao cinismo, que traz perspectivas novas a todos — a tal ponto de um velho amigo, carnívoro desde os tempos do T. Rex, o bicho, não a banda pensar em diminuir o número de bifes.
Só que a lição de McCartney vai além da abstinência de proteína animal no estômago. Ele experimentou o melhor e o pior que a vida pode oferecer — desde a conquista do mundo até a impotência diante de um câncer devastador que levou a mulher. E foi em frente. Sofreu tombos, deu voltas por cima. E vai levando. Com orgulho do que é, mas sem se levar tão a sério, mantendo o pique, dividindo seu mundo. Generosamente.