Brasília-DF,
23/ABR/2024

Cronista comenta o mau humor e o legado deixado por Seu Lunga

O ranzinza nordestino morreu aos 87 anos e não deixou um sucessor à altura do cargo

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Publicação:27/02/2015 06:03Atualização:27/02/2015 11:01
 (Arte CB)
O mundo deve algumas gargalhadas ao mau humor. Quando deixa a área dos grunhidos e alcança as palavras, então, pode ser uma delícia, com pontadas afiadas de inteligência. Ainda mais quando as vítimas não somos nós.

É fel em palavras. Millôr Fernandes, por exemplo, disse que "se todos os seres humanos tivessem ouvido realmente apurado, nenhum idiota teria coragem de inventar o acordeom". E o romancista Alfred Musset atacou: "As coisas mais desagradáveis que nossos inimigos nos dizem pela frente não se comparam com as que nossos amigos dizem de nós pelas costas".

O mau humor é bruto. Nos últimos anos o Nordeste exportou um de seus personagens mitológicos, daqueles que têm os feitos aumentados e viram folclore. Seu Lunga, um comerciante de Barbalha, Ceará, morreu há poucos meses, aos 87 anos, sem deixar herdeiros de sangue para sua verve sem refinamento.

Alguns diálogos dele ficaram famosos, como na ocasião em que ele pediu um copo d'água:
- O senhor quer beber no copo, seu Lunga?
- Não. Joga no chão e arrasta com o rodo até aqui.

Dito isso tudo, vem um gaiato me propor: vamos criar um concurso para eleger o sucessor do Seu Lunga. Aqui em Brasília, me diz o sacripanta, temos vários candidatos. E aponta para o Luisão, dono do boteco, que trata cliente a coice e zurro. E se o sujeito chega na hora de descer a porta de ferro, impiedoso, chega a cometer a suprema maldade de servir cerveja quente.

Apartei o pensamento: dono de bar não vale; eles pertencem a uma categoria à parte. Nem todos têm a finesse de Silvio Ronaldo, cearense como Seu Lunga. Diante de uma roda de músicos, perguntou a um frequentador: "Eles atendem a pedidos?". Claro que sim, disse o amigo. "Então pede pra eles pararem de tocar".

De outra feita, o cliente novato aboletou-se no banco e perguntou: "O que é que tem de bom?". A bola nem quicou: "Aqui não tem nada ruim não" - virou as costas e não atendeu o insolente. Também, pudera: se tem uma coisa que o orgulha são as cervejas vestidas de branco e os pratos que saem da sua cozinha.

E que pratos: um sarapatel que ganharia medalha em concurso de memoráveis sarapatéis; um mocotó de colar os beiços por sete dias, uma rabada no ponto exato para que a cartilagem se integre ao sabor. De vez em quando ainda aparece um mungunzá salgado de tirar o gibão; mais de vez em quando ainda, maxixe na nata.

Silvio Ronaldo agora quer desfazer a imagem de poucos amigos que os inimigos tentam colar nele. Para começar, colocou duas placas enormes na frente do bar que, antes, passava anônimo na 114 Norte. Chama-se, propriamente, Silvio's - subterfúgio para ninguém chamá-lo de Zé, Mané ou, pior pesadelo dos donos de bar, psiu.

Depois colocou um fogão externo para cozinhar à vista do freguês. Desistiu na primeira noite. "Tem gente que só vem aqui para me encher o saco", disse o novo amigo da vizinhança. É dura a vida dos bem-humorados.

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