Parece fácil, mas é difícil: pandeiro é um instrumento para poucos músicos
A crônica da semana destaca a desvalorização do instrumento de percussão
Paulo Pestana
Publicação:06/03/2015 08:15
Chico tem ginga de sambista, o alor desleixado de um malandro-capoeira; usa chapéu, um bigodinho bem aparado e gosta de dançar e cantar sambas. Só não arrasta tamanco e, mesmo assim, segundo se acredita, porque não se encontram mais tamancos à venda. Está perto dos 80 anos, mas não perdeu a pose de galanteador, brindando mulheres de todas as idades com fartos elogios, enquanto pisca um olho para quem observa a cena.
Aposentado, espera ansioso pelos domingos, quando vai ao samba, senta-se à mesa com os músicos e, à sua maneira, ajuda no ritmo. Num dos últimos domingos chuvosos, no entanto, Chico estava triste. Algum bigorrilha, um — como dizia meu avô, sevandija — afanou o instrumento musical do Chico. Levaram a alma do bom homem.
O pior: o instrumento que o amigo do alheio levou não pode ser encontrado nem nas melhores casas do ramo. Mais que valor sentimental, a vagem seca de flamboyant que Chico sacudia para fazer a marcação do ritmo é insubstituível, tem uma sonoridade única; para ele, é o stradivarius das vagens.
O instrumento foi colhido há anos, tem os espaços internos exatos para que as sementes sejam sacudidas num ritmo uniforme. Não pode, portanto, ser trocada por um chocalho.
O crime está sob investigação. Chico não deu parte na 9ª DP, nem reclamou para o administrador, que toma sua cervejinha no bar. Leva o caso por conta própria, assuntando aqui e ali; já tem dois suspeitos.
“Eu sei... quem foi”, disse bem alto, com uma pausa dramática suficientemente longa para que ele pudesse observar a reação das pessoas. Não deu muito certo.
Enquanto isso, ele elimina possibilidades fazendo uma lista mental dos já inocentados. Tirou da lista de suspeitos um ministro que estava no bar naquela noite, tomando suas cervejinhas tranquilamente. “O ministro é gente nossa”, disse o Chico, demonstrando que perdeu o instrumento, mas mantém o juízo.
Alguém levou outra vagem no domingo passado, mas Chico não a aprovou; devia estar desafinada ou era de acácia imperial, não de flamboyant, legítima. A investigação prossegue, a vagem não aparece e a preocupação agora é outra: sem a vagem ideal, Chico pode cismar de tocar outro instrumento. E se ele quiser tocar pandeiro?
O pandeiro, registre-se, é a praga das rodas de samba. Todo mundo acha que sabe tocar, que é só bater no couro e dar uma balançadinha nas platinelas e o samba está feito. Pois trata-se de um dos instrumentos de percussão mais difíceis, tanto que tem até curso específico na Escola Raphael Rabello, do Clube do Choro.
Mas o pandeirista de botequim não quer nem saber. Deixa cair. E, crente que está arrasando, vai em frente, provocando uma cacofonia infernal e atrapalhando o andamento do samba.
Caio está se formando em ciências políticas e, como eu, sofre com pandeiros. Tem uma solução: sobretaxar a venda. Ou, quem sabe, exigir habilitação para portar o instrumento. O fato é que preciso fazer um apelo aqui: seu ladrão, por favor, devolva a vagem do Chico antes que ele resolva inovar.

Chico tem ginga de sambista, o alor desleixado de um malandro-capoeira; usa chapéu, um bigodinho bem aparado e gosta de dançar e cantar sambas. Só não arrasta tamanco e, mesmo assim, segundo se acredita, porque não se encontram mais tamancos à venda. Está perto dos 80 anos, mas não perdeu a pose de galanteador, brindando mulheres de todas as idades com fartos elogios, enquanto pisca um olho para quem observa a cena.
Aposentado, espera ansioso pelos domingos, quando vai ao samba, senta-se à mesa com os músicos e, à sua maneira, ajuda no ritmo. Num dos últimos domingos chuvosos, no entanto, Chico estava triste. Algum bigorrilha, um — como dizia meu avô, sevandija — afanou o instrumento musical do Chico. Levaram a alma do bom homem.
O pior: o instrumento que o amigo do alheio levou não pode ser encontrado nem nas melhores casas do ramo. Mais que valor sentimental, a vagem seca de flamboyant que Chico sacudia para fazer a marcação do ritmo é insubstituível, tem uma sonoridade única; para ele, é o stradivarius das vagens.
O instrumento foi colhido há anos, tem os espaços internos exatos para que as sementes sejam sacudidas num ritmo uniforme. Não pode, portanto, ser trocada por um chocalho.
O crime está sob investigação. Chico não deu parte na 9ª DP, nem reclamou para o administrador, que toma sua cervejinha no bar. Leva o caso por conta própria, assuntando aqui e ali; já tem dois suspeitos.
“Eu sei... quem foi”, disse bem alto, com uma pausa dramática suficientemente longa para que ele pudesse observar a reação das pessoas. Não deu muito certo.
Enquanto isso, ele elimina possibilidades fazendo uma lista mental dos já inocentados. Tirou da lista de suspeitos um ministro que estava no bar naquela noite, tomando suas cervejinhas tranquilamente. “O ministro é gente nossa”, disse o Chico, demonstrando que perdeu o instrumento, mas mantém o juízo.
Alguém levou outra vagem no domingo passado, mas Chico não a aprovou; devia estar desafinada ou era de acácia imperial, não de flamboyant, legítima. A investigação prossegue, a vagem não aparece e a preocupação agora é outra: sem a vagem ideal, Chico pode cismar de tocar outro instrumento. E se ele quiser tocar pandeiro?
O pandeiro, registre-se, é a praga das rodas de samba. Todo mundo acha que sabe tocar, que é só bater no couro e dar uma balançadinha nas platinelas e o samba está feito. Pois trata-se de um dos instrumentos de percussão mais difíceis, tanto que tem até curso específico na Escola Raphael Rabello, do Clube do Choro.
Mas o pandeirista de botequim não quer nem saber. Deixa cair. E, crente que está arrasando, vai em frente, provocando uma cacofonia infernal e atrapalhando o andamento do samba.
Caio está se formando em ciências políticas e, como eu, sofre com pandeiros. Tem uma solução: sobretaxar a venda. Ou, quem sabe, exigir habilitação para portar o instrumento. O fato é que preciso fazer um apelo aqui: seu ladrão, por favor, devolva a vagem do Chico antes que ele resolva inovar.