Diferente de antigamente, Brasília não possui mais personagens interessantes
Confira a crônica desta semana
Paulo Pestana
Publicação:03/04/2015 08:06Atualização: 06/04/2015 12:04
Era um falso louco como Hamlet, mas estava mais para bufão do que para príncipe. Andava pelos bares da cidade recitando poemas épicos inteiros, caprichando na entonação e a plenos pulmões. Preferia ir ao velho Beirute onde os frequentadores reagiam, normalmente com apupos, desde a entrada em cena.
“‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço, brinca o luar — dourada borboleta” — gritava ele, caprichando nas inflexões para ressaltar o caráter parnasiano e dar ritmo ao poema. Ainda assim dava pena de Castro Alves, que se esmerara para dar sentido, cadência e emoção às palavras. E muitos se impressionavam com a memória do pretenso aedo.
Brasília era coalhada de gente assim. Pessoas à procura de uma identidade, em busca de reconhecimento, tentando se encaixar em alguma alcateia. Não passavam de carneiros tentando uivar e morder. Deslocados, chatos, sem noção, tinham pouco a oferecer, mas queriam dar tudo. Não eram lunáticos, mas queriam ser reconhecidos assim. Melhor que nada.
Andam sumidos; volta e meia um candidato aparece, mais discretamente. Dias atrás, encontrei um deles — ou melhor, são eles que nos encontram. Tentava se passar por maluco beleza, mas seguindo a teoria de meu avô Joãozinho, só acredito que o sujeito é doido quando rasga dinheiro. Este, ao contrário, tentava coletar algum para tomar uma cerveja — e aí eu cometi um erro: paguei-lhe uma Antarctica.
Defeito conhecido, esse meu. Gosto de esticar assunto com completos desconhecidos em botequins. No interior é mais barato: com vinte-e-cinco-centavos-de-pinga no copo, encontra-se muito mais que amigos. Viram escudeiros e, se preciso, morrem por você — ainda mais se houver outras doses. E desfiam uma quantidade enorme de causos, um mais mentiroso que o outro. Há ainda os que cantam, declamam, entretém.
E meu novo amigo de infância, desta feita, não era um personagem interessante. Era só um chato. Tentou me convencer que tinha poderes sobrenaturais, quase um Paulo Coelho, que no início da carreira de cascateiro dizia fazer chover. Depois, parece, desaprendeu.
Enfim, o meu chato disse ter viajado o mundo para encontrar palavras mágicas que levam à libertação pessoal, à felicidade absoluta. Eu comentei que seria muito útil para alguns empreiteiros que estão passando uma temporada em Curitiba, mas ele não gostou do chiste. Na qualidade de chato, insistiu; como a busca não terminou, faria uma nova viagem. O resto não ouvi, até porque achei que a conversa iria custar mais do que os R$ 7,90 da cerveja.
O certo é que está difícil esbarrar com chatos interessantes, como os dos velhos tempos; eram românticos, não buscavam nada além de uma companhia e um pouco de atenção, despejando perdigotos na orelha dos incautos – quase todo falam cuspindo e agarrando a vítima pela manga; nenhum muda de assunto.
Nesta hora, a melhor saída é o telefone celular. Com um simples aviso de chegada de mensagem — e elas chegam aos borbotões — pode-se puxá-lo do bolso, apertar um botão imaginário e dizer: alô? Todo chato recua. E é aí que, saindo de fininho, você encontra a própria libertação. A conta fica pendurada.

“‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço, brinca o luar — dourada borboleta” — gritava ele, caprichando nas inflexões para ressaltar o caráter parnasiano e dar ritmo ao poema. Ainda assim dava pena de Castro Alves, que se esmerara para dar sentido, cadência e emoção às palavras. E muitos se impressionavam com a memória do pretenso aedo.
Brasília era coalhada de gente assim. Pessoas à procura de uma identidade, em busca de reconhecimento, tentando se encaixar em alguma alcateia. Não passavam de carneiros tentando uivar e morder. Deslocados, chatos, sem noção, tinham pouco a oferecer, mas queriam dar tudo. Não eram lunáticos, mas queriam ser reconhecidos assim. Melhor que nada.
Andam sumidos; volta e meia um candidato aparece, mais discretamente. Dias atrás, encontrei um deles — ou melhor, são eles que nos encontram. Tentava se passar por maluco beleza, mas seguindo a teoria de meu avô Joãozinho, só acredito que o sujeito é doido quando rasga dinheiro. Este, ao contrário, tentava coletar algum para tomar uma cerveja — e aí eu cometi um erro: paguei-lhe uma Antarctica.
Defeito conhecido, esse meu. Gosto de esticar assunto com completos desconhecidos em botequins. No interior é mais barato: com vinte-e-cinco-centavos-de-pinga no copo, encontra-se muito mais que amigos. Viram escudeiros e, se preciso, morrem por você — ainda mais se houver outras doses. E desfiam uma quantidade enorme de causos, um mais mentiroso que o outro. Há ainda os que cantam, declamam, entretém.
E meu novo amigo de infância, desta feita, não era um personagem interessante. Era só um chato. Tentou me convencer que tinha poderes sobrenaturais, quase um Paulo Coelho, que no início da carreira de cascateiro dizia fazer chover. Depois, parece, desaprendeu.
Enfim, o meu chato disse ter viajado o mundo para encontrar palavras mágicas que levam à libertação pessoal, à felicidade absoluta. Eu comentei que seria muito útil para alguns empreiteiros que estão passando uma temporada em Curitiba, mas ele não gostou do chiste. Na qualidade de chato, insistiu; como a busca não terminou, faria uma nova viagem. O resto não ouvi, até porque achei que a conversa iria custar mais do que os R$ 7,90 da cerveja.
O certo é que está difícil esbarrar com chatos interessantes, como os dos velhos tempos; eram românticos, não buscavam nada além de uma companhia e um pouco de atenção, despejando perdigotos na orelha dos incautos – quase todo falam cuspindo e agarrando a vítima pela manga; nenhum muda de assunto.
Nesta hora, a melhor saída é o telefone celular. Com um simples aviso de chegada de mensagem — e elas chegam aos borbotões — pode-se puxá-lo do bolso, apertar um botão imaginário e dizer: alô? Todo chato recua. E é aí que, saindo de fininho, você encontra a própria libertação. A conta fica pendurada.