Revolucionário Che Guevara estrela as Crônicas da semana; confira
Publicação:03/07/2015 06:10
O brinquedo da casa era um velho piano. O menino começava a tirar os primeiros sons quando o pai, que voltava a Cuba depois de um ano tocando na Argentina, vendeu o instrumento: não queria mais saber de músicos na família. Queria doutores. As boas notas valeram a ele uma bolsa nos Estados Unidos, onde se formou engenheiro químico; para se sustentar, voltou à música, cantando onde pudesse ganhar um dinheiro.
De volta a Havana, empregou-se numa multinacional, casou-se; e a música ficou novamente de lado. Veio a revolução e, convidado pessoalmente por Che Guevara, foi vice-ministro das Indústrias - a relação entre eles está registrada num depoimento publicado em livro. Não era e nem sabia o que era um comunista; nosso personagem era apenas um oxalateiro ("Oxalá Batista caia!", torcia contra o ditador Fulgêncio).
Da relação com o guerrilheiro, ficaram os exemplos do trabalhador incansável e do bom humor. Mas era um humor argentino, autodepreciativo. No livro, lembra anedotas favoritas de Che. "Qual é a diferença entre as pinturas do Renascimento, do Expressionismo e do Realismo Socialista?"
Resposta: "No Renascimento, o pintor pintava o que via. No Expressionismo, pintava o que sentia. No Realismo Socialista, o pintor pinta o que escuta".
Nos primeiros anos não havia espaço para nada além do trabalho. O pai, que lutou para afastar a música de casa, se apiedava ao ver o filho dormindo não mais que três horas por noite: "Quis tanto que você estudasse, e veja como está você agora", dizia. A música só aparecia nas viagens ao exterior; cantava para espantar os males e deliciar companheiros e amigos estrangeiros. Na Espanha, um funcionário do hotel, depois de ouvi-lo cantar, fez um chiste: "Temos aqui um cantor que diz que é vice-ministro".
Tirso Sáenz, hoje aos 82 anos, é também um grande contador de histórias. No sofá da casa do Lago Norte que divide com a mulher, a professora Maria Carlota Paula, promove um desfile de personagens que fazem parte da história do mundo como o conhecemos. Com discretos goles do melhor rum e um sorriso aberto, a narrativa não para.
São histórias leves, como a profecia de Fidel Castro, que dizia que Cuba só voltaria a se relacionar com os Estados Unidos quando os americanos tivessem um presidente negro e o papa fosse argentino. Outras são mais duras, como a dor de lembrar a penúria do povo depois da queda do bloco socialista - "faltava tudo", lembra.
Mas agora, aposentado, finalmente a música está de volta. E ele mostra, com controlado orgulho, o primeiro disco. Gravado em Brasília, registra as canções que lhe marcaram a vida, graças a uma iniciativa do violonista Jaime Ernest Dias, que coproduziu a gravação com o tecladista José Cabrera.
Um time de craques instrumentistas foi arregimentado. Arranjos delicados vestem canções que ainda arrepiam. O som desce macio como o rum.
O ciclo da vida se recompõe e a tradição da família Sáenz continua: a filha de Tirso, Carmen Maria, retomou a meada; é professora de música da Universidade Federal do Ceará. Nem a revolução detém o talento.
De volta a Havana, empregou-se numa multinacional, casou-se; e a música ficou novamente de lado. Veio a revolução e, convidado pessoalmente por Che Guevara, foi vice-ministro das Indústrias - a relação entre eles está registrada num depoimento publicado em livro. Não era e nem sabia o que era um comunista; nosso personagem era apenas um oxalateiro ("Oxalá Batista caia!", torcia contra o ditador Fulgêncio).
Da relação com o guerrilheiro, ficaram os exemplos do trabalhador incansável e do bom humor. Mas era um humor argentino, autodepreciativo. No livro, lembra anedotas favoritas de Che. "Qual é a diferença entre as pinturas do Renascimento, do Expressionismo e do Realismo Socialista?"
Resposta: "No Renascimento, o pintor pintava o que via. No Expressionismo, pintava o que sentia. No Realismo Socialista, o pintor pinta o que escuta".
Nos primeiros anos não havia espaço para nada além do trabalho. O pai, que lutou para afastar a música de casa, se apiedava ao ver o filho dormindo não mais que três horas por noite: "Quis tanto que você estudasse, e veja como está você agora", dizia. A música só aparecia nas viagens ao exterior; cantava para espantar os males e deliciar companheiros e amigos estrangeiros. Na Espanha, um funcionário do hotel, depois de ouvi-lo cantar, fez um chiste: "Temos aqui um cantor que diz que é vice-ministro".
Tirso Sáenz, hoje aos 82 anos, é também um grande contador de histórias. No sofá da casa do Lago Norte que divide com a mulher, a professora Maria Carlota Paula, promove um desfile de personagens que fazem parte da história do mundo como o conhecemos. Com discretos goles do melhor rum e um sorriso aberto, a narrativa não para.
São histórias leves, como a profecia de Fidel Castro, que dizia que Cuba só voltaria a se relacionar com os Estados Unidos quando os americanos tivessem um presidente negro e o papa fosse argentino. Outras são mais duras, como a dor de lembrar a penúria do povo depois da queda do bloco socialista - "faltava tudo", lembra.
Mas agora, aposentado, finalmente a música está de volta. E ele mostra, com controlado orgulho, o primeiro disco. Gravado em Brasília, registra as canções que lhe marcaram a vida, graças a uma iniciativa do violonista Jaime Ernest Dias, que coproduziu a gravação com o tecladista José Cabrera.
Um time de craques instrumentistas foi arregimentado. Arranjos delicados vestem canções que ainda arrepiam. O som desce macio como o rum.
O ciclo da vida se recompõe e a tradição da família Sáenz continua: a filha de Tirso, Carmen Maria, retomou a meada; é professora de música da Universidade Federal do Ceará. Nem a revolução detém o talento.