Brasília-DF,
16/MAR/2025

Paulo Pestana relata a caça aos frutos da cidade na crônica da semana

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Publicação:18/12/2015 06:54
Está um perigo andar pela cidade, nesses dias. Mangas e abacates estão despencando na cabeça do transeunte distraído; pessoas estão se ferindo ao embrenhar-se em espinheiros para buscar parcas amoras; outros se angustiam ao ver que é impossível conseguir uma goiaba sem bicho ou uma seriguela sem ferrugem no meio da rua. Em contraponto, os passarinhos cantam mais que nunca, felizes com tanta fartura.
 
Até os cachorros de rua estão variando a dieta. Dia desses um cão que parecia ter sido montado no Photoshop de um computador, tantas eram características de raças num corpo só, saboreava uma manga num gramado da 104 Norte.
 
As milhares de árvores frutíferas plantadas pela cidade mostram um lado mais bucólico da capital que nesta hora quase se esquece dos espetáculos de luta livre no Congresso, das grosserias machistas dos salões, da espera pela batida diária da Polícia Federal na casa dos bacanas e das negociações espúrias, agora feitas à luz do dia.
 
O brasiliense aprecia e se farta. Não é raro ver pessoas, no meio do canteiro do Eixão, jogando objetos nos gigos das árvores para tentar derrubar um fruto teimoso. Abastecia o carro e cheguei a esquecer o preço do litro da gasolina enquanto observava uma senhora que tentava acertar uma manga — ainda verde — com a própria bolsa.
 
Sem sucesso, ela olhou para os lados à procura de alguma coisa que pudesse ajudá-la; não podia nem pedir ajuda, era uma fruta só — como dividir? Não havia um pedaço de pau sequer no local; muito menos pedras. Tirou uma sombrinha, dessas que ficam encolhidinhas na bolsa, esticou o cabo, mas não alcançava. Guardou a sombrinha, mas não desistiu.
 
Com o objetivo obtuso de um soldado, ela esqueceu a compostura e tirou um dos sapatos que passou a ser jogado para o alto, cada vez com mais fúria e bufando como Guga na hora do saque. Nem se preocupou com o risco do sapato ficar enganchado. Foi calibrando a pontaria e o petardo de saltinhos passava cada vez mais perto, até que depois de muito insistir ela conseguiu derrubar a manga.
 
Pegou a fruta no chão e foi-se com ar vitorioso, deixando para trás mais de um galho cheios de frutos, mas que estavam bem acima da capacidade de mira e do potencial bélico do sapato dela. Paguei, fui em frente, apreciando pé de pequi, jambo, jamelão, manga, jaca, abacate e outras frutas, todos carregados. E por todas as partes da cidade.
 
O ruim é que numa cidade já sem vagas para estacionar o carro, a situação se agrava nesta época do ano, principalmente nas quadras mais antigas, onde as árvores são mais altas. Se a fruta estiver madura, se espatifa sem maiores danos, mas uma ventania derruba frutos verdes, duros, que ganham peso com a força da gravidade. Se cair sobre a capota, nem o martelinho de ouro resolve.
 
Mas esta época de frutas fartas mostra uma Brasília revigorante, uma cidade que se renova e aconchega. Como devia ser o ano todo.

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