Brasília-DF,
21/MAR/2025

Crônica da semana: Paulo Pestana fala sobre cemitério de gente viva

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Publicação:15/01/2016 06:54Atualização:15/01/2016 14:28
Bem que os adultos avisam: não mexa em caixa de marimbondo. Mesmo assim a gente desobedece; tenta pôr fogo, cutucar e derrubar; contra ferroadas a única proteção é embaixo d’água. Eu desobedeci de novo, mas não vou mergulhar. Em outra sexta-feira, neste mesmo espaço, ousei perguntar que cidade é essa que tem virado um cemitério de pessoas vivas.

O assunto era a pressão que os bares brasilienses sofrem por parte de fiscais com ou sem carteirinha e que está levando muitos deles à lona. Principalmente aqueles que insistem em apresentar músicos ao vivo, preservando uma característica que remonta aos primeiros dias da nova capital e que, portanto, deveria ser tombada como bem imaterial.
 
A caixa do correio eletrônico se encheu de mensagens. Defensores do silêncio se levantaram; apareceu a turma do liberou geral — e houve empate entre as manifestações, nessa tímida, mas barulhenta enquete. Cada leitor tem argumentos razoáveis para defender seu ponto de vista. Nenhum irrefutável, o que nos leva à óbvia conclusão: é preciso chegar ao ponto comum.
 
Há quem proponha a instalação dos bares em setor específico da cidade, distante das áreas de moradia. Segregação pura e simples. Seria um Setor de Boemia Sul, ou Norte, para onde os notívagos seriam banidos. Com ou sem cerca de arame farpado?
 
Houve proposta para a liberação total, baseada no direito de livre expressão (!). É o outro lado da moeda; uma cidade sem regras, onde o respeito ficaria por conta da educação de cada um. Nenhuma chance de dar certo.
 
É uma falsa polêmica. O mundo todo obedece a regras que — de acordo com cada cultura — devem ser observadas. Brasília vive hoje uma guerra aberta e radical entre comportamentos que se opõem sem dar brechas para uma negociação, que na verdade remonta a descumprimentos cívicos e sociais de outros tempos.
 
Há anos convivemos com a bagunça urbana que se enxerga nas invasões de terra, no estacionamento irregular nas ruas, no desrespeito das prioridades e no desprezo às mais básicas noções de convivência. Brasília cresceu malandramente, desde que os “graminhas” corriam atrás dos meninos que jogavam bola nos gramados das quadras.
 
Um leitor lembra que os bares invadem calçadas e atrapalham a circulação. Outro diz que eles são a alegria da cidade e dão vida à frieza do dia a dia. Os dois estão certos. Para ficar num exemplo clássico, o Beirute ocupa uma parte da calçada, impede o trânsito de pedestres, faz algum barulho mesmo sem música ao vivo. Mas é impossível imaginar Brasília sem ele.
 
Não faz muito tempo, um cliente-músico do Grao, bar do Lago Norte, levou um novo equipamento de amplificação para melhorar a qualidade das rodas musicais. Mas o álcool é inimigo da audição e o volume foi aumentando. A vizinhança reclamou que o chorinho atrapalhava o programa do Gugu, ou algo assim. Não houve precisão de chamar a polícia. A proprietária do estabelecimento, gigante de um metro e meio, decretou: volta o som antigo. E a paz voltou. A Baixinha endureceu sem perder a ternura.

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