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Em crônica da semana Paulo Pestana fala sobre %u201Cdinheiro de pinga%u201D

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Paulo Pestana Publicação:12/02/2016 06:04
Pinga na goela

Não faz muito tempo, quando alguém fazia menção a trocado, se dizia que aquilo era “dinheiro de pinga”. Valia para uma oportunidade de negócio, para um prejuízo ou para uma bagatela qualquer. Era uma expressão-sinônimo para ninharia. E fazia sentido.

No chamado brasil profundo ainda faz. É possível beber cachaça — na risca, obedecendo ao padrão do copo americano (que, aliás, é uma invenção brasileira) — por até R$ 0,25. E tem bodega que ainda fia; embora eu desconfie que ninguém, depois de uma talagada naquela caninha sem nome, sem origem e sem-vergonha, tem condições de voltar para pagar.

Mas a expressão caiu em desuso. Há alguns anos era possível comprar um garrafão da aguardente JK (produto decente, da região do Entorno) por R$ 10. Hoje está por R$ 30. O litro!

Se o bicudo optar por um produto de “terroir” mais tradicional, vai ter que cortar despesas supérfluas como feijão e pão. Uma garrafa de 600ml da uca Canarinha, que era vendida por R$ 30 há dois anos, está sendo oferecida por R$ 100.

É cangibrina de qualidade, produzida em Salinas, Minas, e que dorme quatro anos em barris de bálsamo e desce com maciez. Mas vamos acertar aqui: R$ 100 ainda não é dinheiro de pinga. A sorte da Dilma é que não se mede inflação pela tabela tatuzinho.

O Brasil bebe da branquinha há cinco séculos. Neste ano da graça de 2016, alguém inventou de comemorar os 500 anos de criação da marvada, usando como base informações pouco precisas. Mas como todo mundo gosta de uma efeméride, está valendo. Ainda que seja mentira.

Se as primeiras mudas de cana chegaram com a expedição de Martin Afonso, em 1532, como é que os escravos (que só começaram a chegar em 1538) fizeram a primeira cangibrina em 1516?  Hein? Hein?

Outra peta: a danada teria surgido a partir da sorna de escravos, que deixaram uma porção de melado fermentando até a evaporação; daí, gotas se formaram no teto e pingavam. Como se os portugueses, craques na bagaceira, não conhecessem um alambique.

De lá para cá o goró virou uma das marcas da identidade nacional. Bebe-se cana do Monte Caburaí ao Chuí, da Ponta do Seixas à nascente do rio Moa. Em qualquer birosca tem forra-peito. E de todo preço. Dia desses me ofereceram uma pechincha: uma garrafa de Havana por R$ 500. Tive a sensação de ser confundido com um otário de letra de tango. Merecia um palavrão, mas sou educado.

A Havana está de volta ao mercado depois de uma briga judicial pelo nome, mas, na verdade, nunca deixou de ser vendida, já que assumiu o nome do antigo produtor, Anísio Santiago. A diferença é etiqueta de preço: a Havana custa o dobro, embora o líquido seja o mesmo. Desconfio que tem gente bebendo rótulo.

Ia esquecendo: A relação do Brasil com a cachaça é tão íntima que é o termo com mais sinônimos na língua portuguesa: mais de 700. Ganha de lavada do capeta, que tem 250 apelidos.

“O goró virou uma das marcas da identidade nacional. Bebe-se cana do Monte Caburaí ao Chuí, da Ponta do Seixas à nascente do rio Moa. Em qualquer birosca tem forra-peito.  E de todo preço”

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