Crônica da semana: Paulo Pestana fala sobre um animal inusitado que um amigo encontrou
Paulo Pestana
Publicação:26/02/2016 06:09Atualização: 25/02/2016 16:22
Correr na rua pode ser um perigo. Quem vê esse pessoal animado, de calção, tênis e garrafinha d’água na mão, nem imagina as ameaças. E não apenas por causa de maus motoristas, das intempéries e do risco de contusões para quem já passou da idade de fazer esforço olímpico. Os perigos estão à espreita, nas formas menos esperadas.
Meu amigo vinha pelo Parque da Cidade já na metade do percurso de 14 quilômetros que ele insiste em cumprir, mesmo já sendo avô, para manter o corpinho sarado. O esforço era evidente; cenho fechado, sem camisa, suado, ele irrompia pela pista interna do parque com a mesma e irritante disposição que o tira da cama todos os dias antes da aurora.
Ultrapassava outros corredores com facilidade, embora não estivesse ali para apostar corrida; o objetivo é manter a forma física — o que ele completa com sessões diárias de musculação em academia. De vez em quando precisava se desviar de algum ciclista que insiste em usar a mesma pista para pedalar; e patinadores.
Esses percalços fazem com que muitas vezes ele use trilhas, o que aconteceu naquela manhã, quando o parque estava cheio. E foi aí que o inesperado fez a surpresa: surgiu um animal mais do que selvagem, furioso. O bicho se colocou em posição vertical, abriu a boca e soltou um regougar estranho e tenebroso. Meu amigo parou.
A cena não durou cinco segundos, algo próximo de uma eternidade. A sensação de felicidade que sempre aparece com a injeção de seratonina e endorfina no sangue de quem corre desapareceu; mas ele ainda teve tempo de se lembrar da cena em que um urso imenso atacou Leonardo DiCaprio no filme O Regresso.
Ele nem pensou em se atracar ao bicho; preferiu dar no pé. Voltou em desabalada carreira com o animal no encalço, ainda guinchando. Meu amigo parecia o Usain Bolt e com muito custo deixou o bicho para trás, quando se permitiu sentar ainda assustado.
“Estamos em Brasília, capital, não é lugar para animais selvagens”, pensava. Foi quando os pensamentos começaram a se ordenar e a forma do bicho foi diminuindo para o tamanho real.
Não era um regougar, som das raposas, o que ele tinha ouvido; não era um urso, o que ele tinha visto. Era um saruê. Dos grandes, mas um saruê.
O saruê — que no sul é chamado de gambá-de-orelha-preta — tem hábitos noturnos, é solitário e só ataca para se defender; neste caso devia ser uma “saruá”, para seguir a lógica da mosquita presidencial, provavelmente defendendo a prole. Quando nervoso ele solta uma espécie de pum dos mais fedorentos — na verdade o odor sai de uma glândula.
São comuns os casos de saruê vivendo em casas — eu mesmo tenho um inquilino desses, que expulsou a família de morcegos que vivia no forro e de vez em quando quebra copos e garrafas das prateleiras — mas não são bichos amistosos. Que o diga meu amigo, que agora não sai da pista; prefere o risco de ser atropelado por um ciclista.
Meu amigo vinha pelo Parque da Cidade já na metade do percurso de 14 quilômetros que ele insiste em cumprir, mesmo já sendo avô, para manter o corpinho sarado. O esforço era evidente; cenho fechado, sem camisa, suado, ele irrompia pela pista interna do parque com a mesma e irritante disposição que o tira da cama todos os dias antes da aurora.
Ultrapassava outros corredores com facilidade, embora não estivesse ali para apostar corrida; o objetivo é manter a forma física — o que ele completa com sessões diárias de musculação em academia. De vez em quando precisava se desviar de algum ciclista que insiste em usar a mesma pista para pedalar; e patinadores.
Esses percalços fazem com que muitas vezes ele use trilhas, o que aconteceu naquela manhã, quando o parque estava cheio. E foi aí que o inesperado fez a surpresa: surgiu um animal mais do que selvagem, furioso. O bicho se colocou em posição vertical, abriu a boca e soltou um regougar estranho e tenebroso. Meu amigo parou.
A cena não durou cinco segundos, algo próximo de uma eternidade. A sensação de felicidade que sempre aparece com a injeção de seratonina e endorfina no sangue de quem corre desapareceu; mas ele ainda teve tempo de se lembrar da cena em que um urso imenso atacou Leonardo DiCaprio no filme O Regresso.
Ele nem pensou em se atracar ao bicho; preferiu dar no pé. Voltou em desabalada carreira com o animal no encalço, ainda guinchando. Meu amigo parecia o Usain Bolt e com muito custo deixou o bicho para trás, quando se permitiu sentar ainda assustado.
“Estamos em Brasília, capital, não é lugar para animais selvagens”, pensava. Foi quando os pensamentos começaram a se ordenar e a forma do bicho foi diminuindo para o tamanho real.
Não era um regougar, som das raposas, o que ele tinha ouvido; não era um urso, o que ele tinha visto. Era um saruê. Dos grandes, mas um saruê.
O saruê — que no sul é chamado de gambá-de-orelha-preta — tem hábitos noturnos, é solitário e só ataca para se defender; neste caso devia ser uma “saruá”, para seguir a lógica da mosquita presidencial, provavelmente defendendo a prole. Quando nervoso ele solta uma espécie de pum dos mais fedorentos — na verdade o odor sai de uma glândula.
São comuns os casos de saruê vivendo em casas — eu mesmo tenho um inquilino desses, que expulsou a família de morcegos que vivia no forro e de vez em quando quebra copos e garrafas das prateleiras — mas não são bichos amistosos. Que o diga meu amigo, que agora não sai da pista; prefere o risco de ser atropelado por um ciclista.