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Crônica da semana: Paulo Pestana reflete sobre o Oscar

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Paulo Pestana Publicação:04/03/2016 06:02Atualização:03/03/2016 17:07
E o Oscar foi para o Leonardo DiCaprio... E eu com isso? Essa coisa de premiação nunca teve muito a minha simpatia (não que isso tenha alguma importância) e talvez algum trauma escondidinho nos recônditos de minh’alma possa explicar o desprezo por esse tipo de competição. Não vou procurar.
 
Está certo que o desempenho dele no filme O regresso é arrepiante, digno de aplausos, mas ficou parecendo com alguns prêmios para jornalistas em que tudo é parcimoniosamente dividido para ninguém ficar chateado. Compensações fedem.
 
Mas não era nada disso que eu queria dizer. O meu assunto, por causa do DiCaprio, é o physique du rôle, intraduzível expressão francesa que vem carregada de preconceito, mas com um bocado de verdade. Com ela podemos dizer, fazendo biquinho, se uma pessoa combina ou não fisicamente com alguma coisa.
 
A expressão foi cunhada para artes cênicas, mas não anda distante da vida comezinha. Assim, ela vai reforçando nossos preconceitos e mantendo atores negros na cozinha — quando tanto — e os bonitinhos na sala de estar. E fora da tela a gente desconfia de um gordinho que trabalha em academia de ginástica ou de um magrinho dono de boteco. Não combinam.
 
Claude Capdeville, da Toca do Chopp, tem o physique du rôle do bodegueiro — adiposo, olhar guloso, cotovelo calejado. Pode-se dizer o mesmo do Tuim, do Butiquim do Tuim, que ainda tem a vantagem de ser careca.
 Barrigas volumosas mostram que eles consomem o que vendem, o que é um bom sinal para o consumidor.
 
Mas o cinema, que ajudou a formatar esses estereótipos, às vezes surpreende, como no caso de DiCaprio. Difícil imaginar a escalação de um ator com a estampa dele para o papel de um sujeito que só aparece maltrapilho e ainda tem que sobreviver a uma briga com um urso. Deu muito certo.
 
Em outras ocasiões, no entanto, forçaram tanto a barra que não havia o que remendasse o estrago, como a escalação do caubói John Wayne para o papel de Gengis Khan em Sangue de bárbaros (1956). Ou Mickey Rooney como o caricato japonês Yunioshi, que só não avacalha Bonequinha de luxo (1951) porque os olhos são todos para Audrey Hepburn.
 
Não se trata de escalação errada de elenco, como o Batman (1997) de George Clooney, o Robin Hood (1991) de Kevin Costner e o ladrão de arte de Sean Connery em Armadilha (1999). O físico nem atrapalhou tanto assim nesses equívocos.
 
Lombroso, criminalista italiano, defendeu, no fim dos anos 1800, que o criminoso nascia com alguns traços aparentes, evidências genéticas. Se fosse verdade, o ator Tommy Lee Jones deveria estar em prisão perpétua; e Lee Van Cliff iria à pena capital. Mas Lombroso também defendia que uma tatuagem determinava propensão à delinquência.
 
Por óbvio, um ator corpulento não pode ter o papel de um franzino e um feioso não pode ser um galã (embora possa acabar com a mocinha, como Jean Paul Belmondo sempre fez). Mas aí é preciso usar outra expressão francesa: savoir faire, ou seja, saber fazer.

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