Crônica da semana: Paulo Pestana debate o uso de palavrões
A primeira vez que vi um palavrão escrito foi no livro Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos. Ainda usava calças curtas e não alcançava a prateleira de cima da estante de casa, onde jazia a coleção de Jorge Amado com ilustrações de Carybé. Já tinha ouvido muitas palavras cabeludas, mas nunca tinha visualizado uma delas com a força da palavra escrita. Era feio. Ainda é, me diz a criança que mora aqui dentro.
hoje os palavrões estão nos jornais, a reproduzir diálogos chulos de personagens da República, em notícias tão indecentes quanto o vocabulário. Premidos pela desfaçatez da internet, jornais assumem que imprimir palavrão é normal, com a desculpa de que saíram de bocas sujas alheias. E acabou-se o pudor.
A Justiça nos mostrou recentemente que o baixo calão invadiu os altos escalões. O palavreado íntimo de algumas autoridades, sem querer aqui invadir a seara de especialistas no comportamento humano, revela verdades incômodas e desmascara personalidades de caráter dúbio. O jeito de falar pode mostrar muito mais o que somos do que muitas ações. Afinal, eles nascem na parte mais primitiva do cérebro.
Aquele ex-presidente, por exemplo, parece ter sido acometido da síndrome de Tourette, doença que ataca o gânglio basal, responsável pelo sistema límbico de cada um de nós, onde se controlam as emoções e o comportamento social. As vítimas muitas vezes não conseguem parar de falar palavrão; um mais cabeludo que o outro, numa compulsão irrefreável. E, pelo visto, contagia a família.
Palavrões são necessários. E em voz alta têm seus defensores, como o psicólogo Steven Pinker. Para ele, “xingar leva nossas faculdades de expressão ao máximo: o poder da combinação da sintaxe, a força evocativa da metáfora e a carga das atitudes, pensadas ou impensadas”.
Daí, fiquei pensando por que o palavrão no jornal incomoda tanto, se na literatura é um recurso comum, de Henry Muller a João Ubaldo Ribeiro, de Jorge Amado a Cassandra Rio? Palavrões aparecem tanto em textos eróticos como Julliete Society, de Sasha Grey, e na poesia desbocada de Bukowski, quanto em dramas políticos; e sem parcimônia. Mas no jornal...
Todo xingamento nasce de uma palavra comum que ganha novo significado e vai se emporcalhando com o tempo. Como aquela cestinha que ficava no alto do mastro dos navios e que virou sinônimo do órgão sexual masculino. Ou a caixinha arredondada que passou a nomear o órgão sexual feminino. No livro Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams, por exemplo, o palavrão mais sujo entre os povos da Via Láctea é... bélgica.
O fato é que todo mundo fala um impropério. Basta uma topada no meio-fio que o paralelepípedo ganha até mãe.
No boteco, encontro o Faixa. Ele pede uma abrideira — branquinha — dá a talagada de costume, mas antes de engolir faz bochecha por alguns instantes, fazendo a pinga percorrer toda a cavidade bucal. Intrigado, quis saber o motivo. Já pedindo a segunda, ele respondeu:
— É pra desinfetar. Vou ler as notícias para o Marcão que operou de catarata.