Crônica da semana: Paulo Pestana faz um retrato do Lago Paranoá
JK ainda nem havia nascido quando o botânico francês Auguste Glaziou andou por essas terras acompanhando a segunda missão Cruls e imaginou uma barragem para represar os rios e formar o que seria o Lago Paranoá. Hoje não há como imaginar a vida em Brasília sem o que o fundador chamou de “moldura líquida da cidade”.
E foi uma saga. Os norte-americanos contratados para a construção da barragem não entregaram o serviço; o escritor (e engenheiro) Gustavo Corção rogou praga dizendo que o lago nunca iria encher por causa do solo poroso — quando a água cobriu toda a área, JK enviou um sucinto e venenoso telegrama ao intelectual: “Encheu, viu?”.
O Paranoá morreu, apodrecido pelo esgoto, causando uma fedentina terrível que entrou para a história da cidade nos anos 1980, até ser despoluído. Hoje enfrenta a ameaça do assoreamento, mas ajuda na seca e contra o estresse.
Uma vez por semana, o músico César Rodrigues bota a viola no saco, esquece todas as canções e, sozinho, singra até uma misteriosa loca de onde volta com tucunarés de até quatro quilos. Já foi seguido por pescadores invejosos, mas é um ladino; artista até para despistar enxeridos.
Mas nem tudo é plácido. Velho amigo, a quem passo a chamar de sr. W., aceitou o convite cheio de malícia de um camarada que há tempos perseguia uma jovenzinha. O problema é que havia também uma amiga e, sabe como é, alguém tinha que tirar a vela da mão dela.
— Deve ser uma baranga, reagiu Sr. W., desconfiado como um gato ladrão.
O camarada garantiu que não, e lá foram os dois. A moça tinha encantos e foram os quatro para a lancha — sim, o encontro era um passeio ao luar, no Paranoá. Numa noite sem lua. Noite alta, o camarada apertou a moça de mau jeito, quando encostaram no acelerador da lancha, que deu um pulo e foi lago adentro.
O sr. W. ficou. Foi arremessado na água e viu a lancha sumir na escuridão. Sentia os sapatos de cromo alemão pesando toneladas, o relógio Hublot novinho parecia uma âncora insistindo para ir ao fundo e a água gelada entrava por todos os poros.
O bom preparo físico o mantinha à tona, mas os minutos são inexoráveis. Mr. W pensava nos filhos, no que tinha deixado por fazer e, principalmente, nos inimigos: o que diriam eles no obituário no jornal do dia seguinte?
O camarada deu a volta para procurar o náufrago, mas nada via. A luz da lanterna só achava breu. sr. W. não ouvia mais o motor da lancha, desligado pelo prudente camarada para evitar o perigo das pás girando. Uma luz que ninguém sabe de onde veio foi refletida pelo vidro da lancha e Sr. W. juntou o restinho das forças — já fazia mais de meia hora que havia caído — berrou e bateu os braços freneticamente.
Resgatado, mantinha o relógio e os pesados sapatos no pé. Ele explicou:
— Se era pra morrer, que fosse, pelo menos, arrumadinho.