Crônica da semana fala sobre solidariedade masculina
Publicação:12/08/2016 06:10
A solidariedade masculina é invejada pelas mulheres. Elas costumam imaginar que os homens se protegem, criam uma rede de companheirismo muito mais forte que a delas, que se desentendem até por causa de um rímel mal aplicado. Parte é verdade, mas nem sempre é assim; a lealdade não é irrestrita e, muitas vezes, a canalhice é latente.
Mas deve-se reconhecer que, nos instantes de necessidade extrema, os homens se acodem de maneiras que as mulheres não compreendem e que não serão reveladas aqui — afinal, eu sei de duas mulheres que leem essas linhas e não vou entregar o jogo. Sou um solidário. Mas, antes do socorro final, pode haver um tortuoso caminho.
O ambiente era o boteco das terças. Dizem que homem não gosta de fofoca, mas não ficou ninguém de fora do assunto, naquele início de noite fria, o que não alterou os hábitos da turma da cerveja, que vinha gelada como sempre. O babado forte — ainda se fala assim? — dava conta de que um dos frequentadores, amigo de todos, teria flagrado a companheira com um amante. A notícia veio assim, sem detalhes, como um piado.
O rapaz que faz as vezes de garçom, limpa o banheiro e cuida das frituras foi quem trouxe a nova, fingindo cara de pesar, mas com olhos curiosos para medir a reação de quem era informado. Ninguém sabia como o fato tinha chegado a ele, que fez questão de relatá-lo a cada um, voz de conspirador, na medida em que entrávamos no recinto. Frustrou-se; a discrição foi geral.
Mas o álcool desinibe. E, depois de colocar os assuntos da resenha em dia — futebol, política e até comentários sobre a chatice que é um jogo de badminton — alguém puxou o tema inevitável. “Que situação, a do fulano, heim?” Bastou para a especulação tomar conta do ambiente. Ninguém sabia como se deu o chamado desenrolar dos fatos, mas todos ali tinham uma teoria, embora só soubessem do flagrante. Nada mais.
Não havia prazer nos relatos de quem se lembrava de fatos semelhantes, de quem encarava como uma inevitabilidade da vida moderna ou até de quem não achava nada. Houve quem se lembrasse de crimes passionais célebres, elevando o fato ao nível de tragédia, bem na comemoração dos 10 anos da Lei Maria da Penha. E houve quem destoasse:
— É isso que dá se casar com mulher muito mais nova.
Numa mesa isolada e tentando enganar o gélido vento encanado com um copo do brandy Fundador, o velho senhor só ouvia, sem mexer uma ruga. Mas boteco não é o Senado, onde se pode fingir que está de um lado ou de outro, e no fimtrair os dois: é preciso ter opinião. Ouviu-se a pergunta definitiva:
— O que o senhor acha?
Ele se ajeita na cadeira de plástico e responde, solene:
— Eu fico com a sabedoria do velho casado com uma mulher muito mais nova e linda: “É melhor comer uma colher de doce de leite com os amigos do que um prato de bosta sozinho”.