Crônica da semana: Novos salões de barbeiro
Paulo Pestana
Publicação:09/09/2016 07:05Atualização: 09/09/2016 10:39
Salão de barbeiro normalmente é uma algazarra. Enquanto o compenetrado profissional afia a navalha e mexe o potinho com espuma, o entorno é ocupado por um alegre alarido provocado por quem espera por uma vaga na cadeira, por quem já foi atendido e continuou ali para terminar a conversa ou pelos sapos de plantão.
Os assuntos são os de sempre: futebol, política, a patroa, e generalidades, como os passamentos da semana, cada vez mais frequentes. No ambiente há sempre quem goste de ler as manchetes de jornal bem alto para provocar discussões. A diferença para um botequim é que a conversa é mais rápida, com um rodízio maior dos participantes.
Mas o mundo moderno não cansa de nos surpreender. Em viagem, entrei outro dia num salão de barbeiros dos tradicionais, daqueles onde ainda se usa água Velva e creme Bozzano. Estava lotado, mas levei um susto com o comedimento dos presentes, de uma contrição missal, como se estivessem num templo budista.
Na parede, o motivo daquele comportamento jazia emoldurado: “Em silêncio trabalhamos melhor”. O constrangimento das pessoas era evidente. O rapaz que entrou falando ao telefone tratou de encerrar o assunto o mais rápido que pôde, outro que entrou sem ter marcado horário mal balbuciava quando perguntava se podia esperar. Ao lado, outro quadro: “Não aceitamos gorjetas”.
Confesso que não sei qual dos dois quadros é mais antipático. E se tem uma coisa que não combina com salão de barbeiro é rabugice, que é coisa de dono de bar. O barbeiro é normalmente um sujeito afável, com aquele ar superior de quem sabe que, mais dia menos dia, vai esfregar uma navalha no pescoço da gente.
Havia duas cadeiras e dois barbeiros. Ambos muito novos; um deles usando essa barba de lenhador americano que tem transformado jovens em assemelhados de anões de jardim. Ao sentar, perguntaram o nome, anotaram alguma coisa, e voltaram ao silêncio como freiras cistercienses; fiquei com vontade de perguntar por que ele queria saber meu nome se não ia falar comigo, mas lembrei do quadro e me calei.
Nem para mudar de cadeira e lavar o cabelo ele falou. Abaixou a cabeça, fez um meneio com a mão direita como se fosse um mordomo inglês de filme ruim e esperou que me levantasse. No fim, ainda sem falar, secou o cabelo e ficou parado até que eu me levantasse e voltasse para a outra cadeira.
É uma agonia. A gente se acostuma a falar baixo em hospitais e museus; a ficar quieto em concertos e templos, mas não em barbearia. É opressivo e tão antinatural que não consegui perguntar o nome do barbeiro barbudo. Fico imaginando se eles ainda tivessem o poder de seus antepassados, que usavam boticões para extrair dentes e agulhas para tratar abcessos. Seria uma sessão de tortura completa.
O alívio é o pai do prazer. Sair do local foi como acordar no meio do pesadelo. E já decidi: prefiro ficar com cabelos desgrenhados do que enfrentar um salão de barbeiro desconhecido.
Os assuntos são os de sempre: futebol, política, a patroa, e generalidades, como os passamentos da semana, cada vez mais frequentes. No ambiente há sempre quem goste de ler as manchetes de jornal bem alto para provocar discussões. A diferença para um botequim é que a conversa é mais rápida, com um rodízio maior dos participantes.
Mas o mundo moderno não cansa de nos surpreender. Em viagem, entrei outro dia num salão de barbeiros dos tradicionais, daqueles onde ainda se usa água Velva e creme Bozzano. Estava lotado, mas levei um susto com o comedimento dos presentes, de uma contrição missal, como se estivessem num templo budista.
Na parede, o motivo daquele comportamento jazia emoldurado: “Em silêncio trabalhamos melhor”. O constrangimento das pessoas era evidente. O rapaz que entrou falando ao telefone tratou de encerrar o assunto o mais rápido que pôde, outro que entrou sem ter marcado horário mal balbuciava quando perguntava se podia esperar. Ao lado, outro quadro: “Não aceitamos gorjetas”.
Confesso que não sei qual dos dois quadros é mais antipático. E se tem uma coisa que não combina com salão de barbeiro é rabugice, que é coisa de dono de bar. O barbeiro é normalmente um sujeito afável, com aquele ar superior de quem sabe que, mais dia menos dia, vai esfregar uma navalha no pescoço da gente.
Havia duas cadeiras e dois barbeiros. Ambos muito novos; um deles usando essa barba de lenhador americano que tem transformado jovens em assemelhados de anões de jardim. Ao sentar, perguntaram o nome, anotaram alguma coisa, e voltaram ao silêncio como freiras cistercienses; fiquei com vontade de perguntar por que ele queria saber meu nome se não ia falar comigo, mas lembrei do quadro e me calei.
Nem para mudar de cadeira e lavar o cabelo ele falou. Abaixou a cabeça, fez um meneio com a mão direita como se fosse um mordomo inglês de filme ruim e esperou que me levantasse. No fim, ainda sem falar, secou o cabelo e ficou parado até que eu me levantasse e voltasse para a outra cadeira.
É uma agonia. A gente se acostuma a falar baixo em hospitais e museus; a ficar quieto em concertos e templos, mas não em barbearia. É opressivo e tão antinatural que não consegui perguntar o nome do barbeiro barbudo. Fico imaginando se eles ainda tivessem o poder de seus antepassados, que usavam boticões para extrair dentes e agulhas para tratar abcessos. Seria uma sessão de tortura completa.
O alívio é o pai do prazer. Sair do local foi como acordar no meio do pesadelo. E já decidi: prefiro ficar com cabelos desgrenhados do que enfrentar um salão de barbeiro desconhecido.