Na crônica da semana Paulo Pestana aborda as memórias dos tempos de menino
Paulo Pestana
Publicação:16/09/2016 07:00
Descobri outro dia que não gosto mais de mariola. A revelação veio, claro, depois da mordida em uma mariola que eu comi, a primeira em décadas; provavelmente a primeira que comi de calças compridas, na tentativa de resgatar um pedaço da infância. E eu que nem sabia que ainda se fabricavam mariolas.
Também não gosto mais de sorvete de creme holandês, o único sabor que eu pedia na lojinha, quando ia visitar meus avós na cidade em que nasci, mas nunca morei. Ou perderam a receita ou perdi a memória. Mas a pior revelação veio de uma lata de marrom glacê. Como é ruim, aquilo.
O doce da lata não tem nada a ver com o clássico produto inventado por italianos, consagrado pelos franceses, feito a partir de castanhas portuguesas e que eu experimentei alhures. O brasileiro esculhambou tudo: aqui é feito de batata-doce mesmo. A conclusão é que a minha infância foi bem pior do que eu imaginava, ou lembrava.
Podem dizer que o passado só é doce na memória. Mas os salgados também não têm resistido ao teste do tempo. O bife de fígado surrado e torrado que eu adorava, se tornou intragável; a sopa de milho verde, então, nem se fala.
Mais memórias: no meu tempo de menino nos bastava uma tábua e um pedaço de sebo de boi ou porco — o mesmo que passávamos na bola de couro para não ressecar — que lubrificava a prancha que deslizava pela ladeira calçada de pedras. E usando só um pedaço de pau como freio e direção. Quem conseguisse chegar embaixo da ladeira inteiro orientava quem ia descer, dizendo se vinha algum carro.
Fiquei pensando nesse monte de bobagem quando soube que a regra dos cinco segundos foi comutada. Essa regra, como é do conhecimento geral, tem um único enunciado, sem parágrafo, sem alíneas: se você pegar um naco de comida que saiu no chão neste tempinho, pode comer, porque não deu tempo de micróbio nenhum pular nela. Pois é: testes de laboratório desmentem, mostram que não é nada disso.
Um novo estudo mostra que a contaminação por bactérias começa imediatamente e, como se poderia esperar, vai aumentando conforme o quitute vai ficando no chão. Estranho é que se a comida cair no carpete se contamina menos do que se cair em cerâmica, madeira ou mesmo aço escovado.
E mais: quanto mais molhada é a comidinha, mais infectada ela fica. Portanto, se um pedaço de melancia cair no chão, é melhor deixar pra lá. Se for uma balinha ainda não chupada, dá para recuperar, mas bem rapidinho.
Aí eu volto para a minha infância, quando era proibido desperdiçar comida. Se um docinho caia no chão, não havia problema que um soprinho desinfectante não resolvesse. E ainda dizíamos que continha vitamina C, de chão. Não sei não, mas acho que ainda tenho anticorpos adquiridos ainda neste tempo e vindos dos mais variados terrenos.
O fato é que deve mesmo ser milagre que eu esteja vivo. Viver é perigo constante.