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20/MAR/2025

Crônica da semana: passeios culinários italianos

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Paulo Pestana Publicação:07/10/2016 06:50
Era a primeira vez da mocinha na Itália. Deslumbrada com Roma, pegou a estrada para Orvieto, cidade que serviria de pouso antes de seguir para a região Toscana e se encantou, antes mesmo de chegar, com a murada de pedra que cerca todo o lugar. Era primavera, a região da Úmbria estava florida e as cepas viníferas viçosas. Havia um cheiro inigualável no ar.

De alguma maneira, aquilo lembrava o avô que nunca havia conhecido a Itália, país que deixara ainda criança, acompanhando os pais, rumo ao Brasil. Ela preservava algumas tradições, ou melhor, receitas que o avô tinha deixado e tinha estudado um semestre no ILI, o Instituto de Língua Italiana. E estava se sentindo “a” italiana.

Chegaram ainda cedo, deram entrada no pequeno hotel, num quarto com vista para o vale e foram passear. Tudo era novidade. As frutas vendidas no meio da rua, os minúsculos jardins, casas com janelas minúsculas. Era como passear num livro de história medieval; ou num filme, em que uma jovem acusada de feitiçaria sairia de um beco, perseguida por fanáticos religiosos que a poriam numa fogueira.

Mas não havia espaço para pensamentos lúgubres na cabeça da mocinha. Ela parava em todo canto, conversava, e já começava a gesticular as mãos, o que parece ser um complemento da língua. A impressão que se tem é que se um italiano for amarrado não fala.

Os amigos estavam impressionados com a desenvoltura. Pararam para comer panini grelhado, recheado com queijo pecorino e presunto cru com um vinho da região, um sangiovese que ela mesma escolheu. E voltaram a passear.

Escolheram o restaurante para jantar, reservaram mesa e depois do descanso, estavam todos felizes, em volta da mesa. Pediram o vinho da casa, e como era dia 29 ninguém ousou desrespeitar a tradição de São Ptolomeu, que sugere que se coma nhoque, com uma nota de dinheiro de qualquer valor sob o prato. Ninguém menos a mocinha. Deu de ombros para o mandamento popular e disse que queria comer carne.

Chamou o garçom e começou a falar. Mais uma vez impressionou os amigos e depois de alguns minutos parolando e perguntando, chegou à conclusão. “Pronto”, disse ela aos amigos. “Pedi uma guancia com molho de vinho”. Os amigos ficaram calados.

Todos elogiaram o nhoque ao molho pomodoro e a mocinha pôs a carne na boca, sentindo a consistência diferente. Comeu tudo, mas ficou com cara de quem não gostou; é dessas pessoas que não conseguem fingir. O garçom se aproximou para saber o que ela havia achado do prato, quando um dos presentes, de alguma maneira, perguntou de que parte do boi era aquela carne.

O garçom apertou a própria bochecha com dois dedos e sacudiu. “Qui”, disse ele, dando som ao u, como fazem os italianos. A mesa quase desabou com a gargalhada, depois que todos viram a cara de nojo da mocinha ao saber que tinha comido bochecha bovina.
— Tinha baba igual quiabo? Perguntou o mais saidinho, recebendo um tapa como resposta.

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