Na crônica da semana, bruxas brasileiras
Paulo Pestana
Publicação:28/10/2016 06:45
Está chegando o halloween. Como se sabe, é uma dessas festas populares e bem brasileiras, tipo black friday, greek week, thanksgiving, honrando a nossa tradição de homenagear o dia das bruxas, quando as casas são enfeitadas por abóboras ocas com olhos e boca recortados, iluminadas por velas.
Faz tempo que o Brasil importa seres mitológicos que nada têm com a nossa realidade para fazer festa. O mais famoso deles é o Papai Noel, que já chegou aqui depois de transformado em velhinho-propaganda de refrigerante, com roupa pesada de quem vive em eterno inverno e puxado pelas renas voadoras.
Mas o bom velhinho se aclimatou bem, virou marchinha de Assis Valente, depois ganhou uma canção de Otávio Filho (a do sapatinho na janela do quintal) e ninguém fala mais em Natal sem Noel. Na época do Estado Novo a turma integralista tentou substituir a figura do velhinho de bochechas rosadas por um cafuso criado por uma família branca chamado Vovô Índio, mas como toda ideia de jerico esta também não vingou.
Mas essa história de dia das bruxas está ficando meio exagerada. Primeiro que eles não têm mais nem mesmo a decência de traduzir o nome da farra que, parece, é uma corruptela da expressão all hallow even (véspera de todos os santos). É um folguedo irlandês, derivado da cultura celta, que ganhou corpo nos Estados Unidos.
No Brasil, é só uma marmota. Mas como tudo pode piorar, o governo paulista resolveu decretar que dia 31 de outubro é o Dia do Saci, forma de convencer as pessoas a legitimarem um personagem do folclore nacional que já teve seus dias de glória nas penas de Monteiro Lobato e Ziraldo, mas anda meio largado.
Aqui as bruxas não têm vassouras voadoras, narizes aduncos cheios de verrugas e nem foram perseguidas como em outras parte do mundo. Na Europa, calcula-se que 50 mil pessoas acusadas de bruxaria foram mortas, muitas na fogueira; nos Estados Unidos, só em Salem, em 1692, foram executadas 19 pessoas.
Nossas bruxas mais tradicionais são quase santas: as benzedeiras. Como não ofendem as igrejas, muito ao contrário, contam com a simpatia geral. Elas usam orações e algumas ervas como armas contra o mal, dispensando caldeirões e poções com ingredientes esdrúxulos. Ou seja, melhor que comemorar o dia do saci ou das bruxas seria prestar uma homenagem às benzedeiras.
Quem sofreu alguma urucubaca sabe o valor que elas têm. No passado, as benzedeiras substituíram médicos e padres. Além de rezar para tirar mau olhado e ziquiziras em geral, conhecem o poder de cura das plantas. Mas quem acha que são personagens de ontem está enganado.
Um amigo me ligou para saber se eu conhecia alguma boa benzedeira em Brasília; não estranhei, é sujeito de muita fé. Não sabia, mas saí perguntando até encontrar D. Edith, uma senhora que é quase lenda em Sobradinho. Mas não faz milagre. Dias depois perguntei a ele se o problema estava resolvido.
— O quebranto acabou. Só falta resolver o problema do bolso.