Crônica da semana: Os novos alienados
Paulo Pestana
Publicação:18/11/2016 06:30Atualização: 17/11/2016 16:50
Conheço pessoas que caminham lendo. Parecem levitar com o poder das palavras; dobram esquinas, livram-se de obstáculos com uma espécie de radar quiróptero e sem perder a concentração. Mas agora aparece gente que escreve andando. Não são transeuntes que respondem uma mensagem ao telefone; são de uma espécie nova, que escreve textos longos, digressões e análises, enquanto estão caminhando, como se o mundo não pudesse parar um minuto e a urgência fosse o estado normal das coisas.
O mundo acelerado cria novas necessidades e uma multidão que, de tão conectada, é cada vez mais alienada. Não é raro ver grupos de pessoas sentadas à mesma mesa num restaurante dialogando animadamente com outros que estão bem longe dali. Quem está ao lado não merece a menor atenção. Até porque também está trocando ideias com outro ausente. E não é só em momentos que deveriam ser dedicados ao lazer que isso vem acontecendo. Profissionalmente parece que ninguém mais quer falar com você.
Dia desses liguei para a operadora de TV por assinatura e me atendeu uma moça de voz grave e suave que tentava conversar comigo a partir de algoritmos criados para responder questões gerais, sempre pedindo para a gente apertar uma tecla. É excruciante. O mais estranho é que a moça fala gírias, usa expressões pontuais como “entendo”, “ah, bom”, “maravilha” que ficam estranhíssimas na boca de um robô. Até porque robô não tem boca e você sabe que está falando com uma máquina.
O pior é que a geringonça não tem o charme e muito menos a beleza da Rachel Roberts, que, no filme Simone, faz uma atriz digital criada por Al Pacino. E a gente já viu, em outro filme, que há como se apaixonar por uma voz emulada — veja Ela, com Joaquin Phoenix.
Até no bar, o reduto da conversa fiada e da cascata, a situação anda grave. Outro dia o Faixa, sempre pávulo, chegou de mansinho. Na pele rugosa, uma gelha mais pronunciada acentuava o ar de decepção.
Tinha acabado de chegar de uma pescaria, dizendo que não iria repetir a dose nunca mais. Motivo: na pousada não tinha internet. “Fiquei quatro dias sem entrar no Facebook e só soube que o Trump tinha sido eleito dois dias depois”, disse. A sorte dele é que tínhamos outros assuntos a tratar e ninguém deu bola.
Mas nada disso se compara ao pessoal que escreve em pé. Andando, aliás. É o caso da moça que caminha com seu tablet pelas pistas do Parque da Cidade e de repente, sem parar, liga o aparelho e começa a digitar loucamente com apenas um dedo.
Inicialmente achei que era uma mensagem, um e-mail rápido, mas não; era comprido. E ela estava com o editor de textos aberto, sinal que havia muito a ser escrito. Pois ela terminou a volta, sentou-se no banco e, já usando as duas mãos, continuou. Sem pausas. Fiquei curioso para saber o que era tão importante, mas preferi nem chegar perto. Se é difícil escrever sentado, imagine em pé.