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Crônica da semana: Sem tempo para criar

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Paulo Pestana Publicação:23/06/2017 06:00Atualização:22/06/2017 16:57
O mundo desaba e o Brasil rebola com Anitta. Paradinha. Nada contra, mas as canções, onde andam? Há quanto tempo a gente não ouve uma grande canção, daquelas de arrepiar e que duram anos, décadas, tornam-se parte da cultura nacional? É óbvio que os compositores brasileiros não sofreram algum apagão coletivo. E a pergunta roda.
 
Dia desses, passando por Brasília, Daniel Jobim pode ter oferecido uma pista que certamente ajuda a esclarecer o mistério. Para ele, o novo mundo da música não permite que o compositor tenha muito tempo de escrever e burilar uma canção; como disco não dá mais dinheiro, o músico é obrigado a fazer shows para garantir o leite das crianças.
 
O exemplo vem do próprio Daniel, que passa a vida defendendo o legado do avô, Tom, e criando sua própria música —  nos próximos dias ele entra numa maratona que começa na Holanda, passa pelos Estados Unidos e volta à Europa, depois de uma passadinha por Trancoso, Bahia. Até o final do ano não há mais espaço na agenda.
 
É preciso preparo físico, mas o pior mesmo é que não sobra tempo para mais nada. “Eu me lembro que meu avô tinha uma rotina de sentar-se ao piano todos os dias para trabalhar uma música que estava na cabeça dele”, diz ele. “Eu não consigo”, prossegue. “É um atropelo”.
 
Se com um sobrenome desses Daniel reclama da falta de tempo para criar, imagine-se os outros músicos, principalmente os mais novos, em início de carreira. Mesmo compositores consagrados estão abdicando das novidades, caso de Edu Lobo, que acaba de lançar um disco excelente —  Dos navegantes, com Mauro Senise e Romero Lumambo — sem canções inéditas.
 
O próprio Daniel Jobim não arrisca. Diante do iluminado e extenso catálogo de canções do avô, suas apresentações são exclusivamente com música de Tom Jobim, recheadas de pequenas histórias. Ele ainda recupera alguns temas menos conhecidos como Boto e Bonita —  com letra em português, encontrada entre os alfarrábios póstumos de Vinicius de Moraes —,  mas não foge muito dos padrões.
 
Não há como contestar a decisão do músico de 44 anos, tão fiel ao estilo do avô que, além de usar chapéu panamá, escreveu até os scats —  vocalizações normalmente improvisadas —  em partitura. Afinal, é preciso tocar Tom Jobim sempre.
 
Com isso, Daniel deixa de mostrar as próprias canções, inclusive as conhecidas como Dias azuis, que ele gravou com Milton Nascimento e também com Lee Ritenour. E confessa que não tem tempo para trabalhar em canções novas, embora tenha um bocado de ideias, rascunhos e excertos.
 
Ao contrário da indústria musical de outros países, o Brasil não se recuperou da derrocada das gravadoras e do negócio físico da música, hoje cada vez mais confinada aos serviços de streaming, como Spotify e iTunes.
 
Mais um pouco, a solução será fazer como o produtor Guto Graça Melo, que trancou Paulinho da Viola num quarto até que ele conseguisse criar a música-tema de uma novela, às vésperas de entrar no ar. Saiu do confinamento com uma obra-prima: Pecado capital.

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