Crônica da semana: Entre passado e futuro
Paulo Pestana
Publicação:29/03/2019 06:01Atualização: 28/03/2019 15:38
Era nossa estreia naquele bar, o que nunca é fácil. Não sabíamos o nome de ninguém, como era o serviço, os petiscos, o grau de honestidade do uísque e nem se os vizinhos tinham alguma arenga com o proprietário. Foi uma parada ao acaso, fim de tarde, para terminar uma conversa que ficou grande demais para caber num escritório.
É preciso alguma etiqueta nessas horas. A primeira é pedir licença para sentar numa das mesas e, em seguida, perguntar o nome de quem se aproxima para atender. Não precisa chegar ao extremo de apresentar-se; garçom é bicho folgado, vira intimidade e o caldo entorna. Feitos os pedidos, voltamos à conversa séria, ainda não era uma hora tão feliz.
Depois de algum tempo, um rapazote chega com um cartaz e o cola na parede externa do estabelecimento, depois de pedir permissão ao senhor-com-cara-de-dono que estava no balcão e tinha a estranha característica — para um bodegueiro — de parecer simpático. Estava escrito: Palestra sobre vidas passadas.
Bastou para mudar o rumo da prosa. A conversa sobre negócios deu lugar a uma série de divagações sobre outrora, crenças, espíritos e até busca por remissões; de repente, parecia que estávamos num templo ecumênico ou numa organização de discussão filosófica. Os céticos advogados e homens de negócio viraram seres esotéricos. Cheios de luz.
De repente eu, que não acredito nesse eterno retorno, estava diante de um ex-pirata, um ex-político inglês e um inventor. Pelo menos foi a definição que um comensal metido a entender de tudo deu, de acordo como o que ele conhecia de nós (eu arriscaria que se houve vida passada para ele, seria um prisioneiro daqueles que quebram pedras com... picareta).
O intruso foi-se e ficamos só os conhecidos de outras tardes-noites. Mas o assunto não morreu. Tergiversamos: porque que todo mundo se destaca em vidas passadas? Só há notícias de valentes, revolucionários, ex-presidentes, enfim, pessoas de relevo e grande importância.
Ninguém fala que em vida passada foi um burocrata preocupado se havia tinta na almofada do carimbo, um carregador de pedra de pirâmide ou um remador de galé que só funcionava na base da chibata. Mas não falta nobre, faraó e dono de chicote. Onde anda o espírito de um notório dedo-duro? De um zé ninguém?
Só que o assunto anda tão sério que vem sendo estudado até em faculdade de medicina, com a coleta de depoimentos de pessoas que se lembram de terem tido experiências antes do útero. Esses casos serão investigados para saber se há evidências de que poderiam ser reais. Mas não me pergunte o que farão se encontrarem alguma história verdadeira.
A conversa corria fácil e divertida quando chegou um retardatário, avisado de última hora da mudança de bar. É uma situação chata chegar a uma mesa em que o pessoal já está mais, digamos, amaciado; fez o que manda a etiqueta do bar e ficou só observando, sem opinar. Até que falou:
— Minha vida anda tão chata que duvido que, no futuro, alguém vá dizer que foi eu.