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Crônica da semana: Ciência no botequim

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Paulo Pestana Publicação:19/04/2019 06:00
Os desmentidos são coisas que perderam a função nos nossos dias. As pessoas passaram a se considerar tão sábias, completas e autossuficientes que a própria razão perdeu a razão de existir, com o perdão da redundância. Se agora é permitido ter até um filósofo sem formação acadêmica e sem noção de ética, imagine o resto.

No botequim temos filósofos melhores e filosofias bem mais interessantes, sem o viés torto e preconceituoso do sujeito que, vejam só, prega a censura à imprensa. Neste quesito, temos o dr. João Bosco, que decidiu trocar de bar, mas que colore o mundo com seus aforismos, pequenas observações sobre o cotidiano.

Mas também tem o Maurição, cuja cultura vem toda da internet, mas dá palpite em tudo. Ele é o típico cidadão ligado, que sabe de todas as informações rasas e as repete sem desfaçatez. Com três linhas de leitura sobre qualquer tema, ele é capaz de discorrer por horas, emendando uma bobagem na outra.

E é nos argumentos de gente como ele que alguns erros— mitos modernos, vamos enfeitar — sobrevivem mesmo nesta era da informação, ou talvez por esse excesso de novidade que são espalhadas a toque de caixa. Ou não, por que ninguém é capaz de tocar um tarol nessa velocidade.

Semana passada, ele chegou afirmando que a ciência está para descobrir uma forma de o homem usar toda sua capacidade intelectual. Na tese que desenvolveu, provavelmente ali mesmo diante do copo de Campari, o ser humano não passa de um símio turbinado e que o mundo poderia ser muito diferente se pudéssemos usar todos os recantos do cérebro.

Com jeito, até porque o Maurição, embora não seja violento, é daqueles sujeitos que falam como se estivessem numa reunião do sindicato, fui tentando pescar a origem daquela sucessão de tiradas pseudofilosóficas até que chegamos ao busílis: ele tinha lido que o homem só usa 10% da capacidade do cérebro.

Uma pesquisa entre professores britânicos mostrou que 48% deles estão com Maurição e acreditam na informação, que está na música Ouro de tolo, do Raul Seixas, e serve de premissa para o filme Lucy, de Luc Besson.

Só que este é um mito gasto, já desmentido pela ciência, que provou que, mesmo quando dormimos, o cérebro trabalha sem parar em todas as áreas. Durante algumas tarefas, as partes ativas são específicas e trabalham mais que as outras; quando fazemos exercícios físicos, por exemplo, o córtex motor — que fica no lobo frontal — fica a mil.

Mas azar dos fatos. Ninguém mais quer pensar ou pelo menos procurar saber se não está reproduzindo uma bobagem; perdemos a capacidade de nos envergonhar.

Mas o Maurição tem razão: a ciência, às vezes, estraga prazeres. É voz corrente que no frio é bom tomar uma cachacinha para esquentar, mas na verdade ela baixa a temperatura do corpo. A quentura que sobe do estômago é só uma sensação que passa logo, e beber álcool quando está muito frio pode ser perigoso. A ignorância é uma bênção e ainda rende muita conversa.

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