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12/DEZ/2024

Crônica da semana: Machos e cafajestes

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Paulo Pestana Publicação:10/05/2019 06:00
Música hipnotiza. Algumas vezes a gente canta uma música sabendo todas as palavras, mas não se atenta para o contexto; a força da melodia ressalta ou anula o que dizem as frases. Dia desses o rádio tocava Logo Agora, samba delicioso de Jorge Aragão, e em vez de tentar acompanhar o sambista, preferi prestar atenção na letra.

“Ele foi embora/ Nem faz uma hora.../ Tolo/ Pensou que beijar sua boca/ Foi consolo / Despertou o instinto da fêmea/ E agora quer se deixar abater.../ Agora entendo o sorriso/ Ele é que não entendeu/ Se não fez amor com você/ Faço eu”.

É cafajestagem em estado puro. Na gravação, registrada ao vivo, há um coro feminino que acompanha o cantor na maior alegria, talvez porque a letra disfarce; há quê de liberação feminina por ali, quando a iniciativa parece ser da moça.

O machismo aparece de várias formas e em todos os gêneros. Música popular é um retrato da sociedade. A implicância começou em 1905 com o Lundu do Baiano (“A mulher quando é solteira/ Seu perfume é água tônica/ Depois que se apanha casada/ É pior que peste bubônica”).

Há grandes exaltações à mulher, como a valsa Rosa, gravada em 1937 por Francisco Alves (“Tu és divina e graciosa/ Estátua majestosa/Do amor por Deus esculturada”). Mas o mesmo Francisco Alves, em 1929, cantou Amor de Malandro (“O amor é do Malandro/ ...se ele te bate/ é porque gosta de ti”).

No mesmo tom, O Que é Que eu Dou?, gravada por Jorge Veiga em 1947 (“Sempre de cara amarrada/ Será que ela quer pancada?/ É só o que lhe falta dar/ Ela quer apanhar”).

As próprias mulheres ajudaram a reforçar o pendor machista, como Carmen Miranda que, em 1937, gravou o choro-canção Quem É?, com Barbosa Junior: “Quem é que faz o teu bifinho com batatas?/ E estraga tanto as lindas mãos lá na cozinha?”.

Há também o machismo disfarçado em amor, inclusive materno, como Mamãe, gravada em 1956 por Ângela Maria e desde então reconhecida como hino do dia das mães. Mesmo com versos como esses: “Eu te lembro o chinelo na mão/ O avental todo sujo de ovo”.

O rock, tão libertário, também faz das suas. Como os Beatles, em Run for Your Life, de 1965 (“Eu preferiria te ver morta do que com outro homem, garotinha / É melhor você correr pela sua vida, se puder”). Ou Jimi Hendrix, em Hey Joe, música de Billy Roberts, de 1962 (“Sim, eu fiz, eu atirei nela/ Ela estava paquerando na cidade/ Apontei a arma para ela e atirei/ Tudo bem/ Atire nela mais uma vez, está perdoado”).

Na música sertaneja, a coisa não melhora, nem para uma passarinha. No clássico João de Barro, Tonico e Tinoco contam a história do oleiro traído e vingativo: “Mas quando ele ia buscar o raminho/ Para construir seu ninho/ O seu amor lhe enganava/ Cego de dor trancou a porta da morada/ Deixando lá sua amada/ Presa pro resto da vida.

Às vezes é melhor se deixar levar pela melodia.

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