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19/ABR/2024

Yayoi Kusama mergulha nos próprios distúrbios psíquicos e traz arte nascida da angústia

A instalação Estou aqui, no CCBB, é montada com mobiliário local e reproduz a angústia vivida durante as crises de transtorno de personalidade da artista, que tem a sensação de ausência do próprio corpo

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Nahima Maciel Publicação:19/02/2014 07:03Atualização:18/02/2014 16:27

A sala de espelhos mais recente da artista exibe centenas de flashes de luzes coloridas: reflexos são metáforas das alucinações (AFP PHOTO / YASUYOSHI CHIBA )
A sala de espelhos mais recente da artista exibe centenas de flashes de luzes coloridas: reflexos são metáforas das alucinações

É difícil pensar em dor quando se adentra qualquer uma das instalações da japonesa Yayoi Kusama. Delicadeza, conforto e risada são as reações mais comuns à obra da artista. No entanto, é da dor que nasce o trabalho dessa japonesa de 84 anos, que há quatro décadas decidiu morar em uma instituição psiquiátrica. Diagnosticada com desordem da personalidade e transtorno obsessivo compulsivo, Kusama vive em um hospital desde 1977 e mantém um ateliê que frequenta durante a semana.

Dessa combinação peculiar de rotinas, saiu boa parte dos trabalhos de Obsessão infinita, exposição em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Uma retrospectiva abrangente, a mostra reúne trabalhos criados entre 1950 e 2013. Boa parte dessa produção, selecionada pelos curadores Philip Larratt Smith e Frances Morris, representa o que há de mais emblemático na trajetória da japonesa.

Yayoi Kusama é hoje uma queridinha da cena artística e do mundo fashion. A japonesa ganhou o planeta com suas bolinhas obsessivamente reproduzidas em desenhos, pinturas, esculturas, instalações, objetos e até artigos de moda.

Uma parceria com a Louis Vuitton rendeu uma série de estampas para bolsas e roupas. Mas nem sempre foi assim. Durante um bom tempo, Kusama era vista pela cena artística como popular demais para ser séria. E vanguarda demais para ser compreendida. Foi na Nova York dos anos 1960 que ela encontrou eco para sua produção. Em uma cena marcada pelo experimentalismo, por uma arte performática e extremamente conceitual, na qual cabia todo tipo de representação, a artista se sentiu à vontade para deixar a fronteira entre arte e loucura desaparecer por completo.

Leia entrevista completa com Philip Larratt-Smith e veja o vídeo Auto-obliteração:

Como a loucura e a arte estão conectados no trabalho de Kusama?

Existe uma expressão em latim que diz que sem um pouco de loucura não há poesia. No caso de Kusama, sua condição mental é o topo e o centro de sua vida e de seu trabalho. Ela vive em um hospital psiquiátrico desde 1977. Seus episódios de alucinações são uma inspiração para suas pinturas da série Rede infinita, do início dos anos 60, e seu medo do sexo a levou a Esculturas de acumulação. Sua forte sensação de despersonalização encontra expressão na famosa Sala dos espelhos. A conexão é muito clara e direta.

Como Kusama está conectada com arte pop? E como o fato de ela ter vivido em Nova York afetou seu trabalho?

Kusama tem uma certa afinidade com a tendência pop: o desejo de comunicar diretamente com uma audiência de massa e a criação de uma imagem pessoal intrigante a ajuda a promover o trabalho à la Andy Warhol. E há também uma abertura para misturar mídias e novas mídias. Mas eu não penso nela, primeiramente, como uma artista pop. Nova York foi o lugar no qual ela fez um nome no final dos anos 1950 e 1960. Foi onde ela se tornou uma artista de vanguarda. Sem dúvida, a abertura e a fertilidade da cena novaiorquina alimentaram sua criatividade.

Qual o lugar da moda no mundo de Kusama?

Moda é uma extensão da prática artística da Kusama. Aos diversos papéis que ela exerceu durante o tumultuado final dos anos 1980 — empresária, performer, ativista política e capitalist-retailer — podem ser acrescidos o de designer de moda. Logo, sua recente colaboração com Louis Vuitton é realmente um retorno à forma. Kusama usa roupas mais ou menos da mesma maneira que ela usa esculturas e instalações: é mais um suporte para sua assinatura de bolinhas. Os corpos de outras pessoas se tornam elementos de seu trabalho de arte — em outras palavras, seu design fashion é participativo. Eu acho que moda é fascinante para Kusama porque é a mais democrática forma de arte. Todo mundo participa da moda, goste ou não.

Ela é bem-recebida no Japão, que é um país bastante conservador?

Quando ela voltou para o Japão, ela não tinha escolha a não ser se internar em um hospital psiquiátrico, tamanho era o abismo quando se tratava de entender e apreciar o trabalho dela por lá. Com certeza o conservadorismo patriarcal do Japão foi determinante para que deixasse o país. Hoje, ela é tida como um tesouro nacional e talvez a maior artista viva do Japão, mas levou muito tempo para que ela fosse aceita.

Soube que as bolinhas são algo que ela enxerga no processo mental, mas o que podemos inferir delas quando pensamos na estética do trabalho da Kusama?

As bolinhas têm um apelo gráfico óbvio e é por causa delas que Kusama é tão apreciada por designers gráficos e pelo mundo da moda. É um motivo flexível e com possibilidade de ser aplicado em diversas superfícies (até na fachada do CCBB). E mais, as bolinhas expressam a visão de Kusama do ser humano no cosmos, já que há espaço vazio entre as bolinhas.

Qual dos trabalhos mostrados no Brasil você considera mais importante para entender a artista?

É uma pergunta difícil. Obsessão infinita é uma retrospectiva, e a cocuradora Frances Morris e eu escolhemos todos os trabalhos da exposição com muito cuidado para realçar os aspectos mais importantes da produção de Kusama. Para apontar apenas dois, eu diria que o Campo de falos, a primeira Sala de espelhos do infinito e o vídeo Auto-obliteração de Kusama, uma espécie de resumo de sua arte feita entre 1950 e 1967.

 

Obsessão infinita
Exposição de Yayoi Kusama. Em cartaz até 28 de abril, de quarta a segunda, das 9h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).


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