Na crônica desta semana, presenciamos a paixão de uma fã
Relembrando o saudoso Cauby, ouvimos sobre o encontro do autor com uma fã.
A moça reclamou por eu não ter escrito que o Cauby foi o maior cantor de todos os tempos. Estava sinceramente indignada. Disse que havia gostado muito do artiguinho sobre o então recém-falecido artista, publicado pelo Correio, mas queria saber por que eu não tinha admitido o que para ela era tão óbvio.
Esclarecendo-se um ponto: falei “moça, mas não era para tanto”. Não chega a ser uma senhorinha, mas já passou do ponto da balzaquiana. Enfim, tudo é uma questão de perspectiva; portanto, continua sendo moça para quem já não é tão moço.
Voltando ao Cauby — e à moça — não queria ser indelicado. Qualquer pessoa que goste de música merece meu respeito. Ainda que seja um fã do Tiaguinho. E comecei a fabricar uma teoria de última hora para tentar fazer com que ela se esquecesse da pergunta, me lembrando até de elogiar o timbre da voz do Cauby.
Uma simples e intransferível opinião poderia causar uma decepção tão grande e eu não queria estragar aquela relação. Não ali, onde estava apenas para tomar um uisquinho e conversar fiado. Mas a memória dela estava boa e não dava trégua. Bastava tentar respirar entre as frases, que a pergunta voltava e eu precisava de mais uma bicada salvadora, que me desse um tempinho para aumentar a minha teoria.
Poderia simplesmente dizer que há cantores melhores, mas preferi falar que ele tinha sido o cantor que mais amava cantar. Amava tanto que cantava qualquer coisa, mesmo que o prejudicasse. É duro contrariar um fã. São pessoas que não raciocinam pela lógica; valorizam apenas a paixão incondicional. E é preciso respeitar os sentimentos fortes.
Por um punhado de aplausos, Cauby era capaz de tudo. Poderia ter os melhores compositores do país a seus pés, mas trocou-os por gente de menos brilho, mas que garantia a ele que seguisse cantando pelo caminho mais fácil. A moça, sabia eu, não estava interessada em nada disso — queria ouvir que nunca houve ninguém como seu ídolo.
No canto, um rapaz tocava seu violão. Era um profissional acostumado a todo tipo de público, com repertório eclético e infinita paciência para atender pedidos, os mais esdrúxulos. Não tinha a categoria do Di Brasil e nem a ginga do Cesar Rodrigues, craques no metiê, mas dava conta do recado.
A moça não se conteve e foi pedir a ele que cantasse uma música do Cauby. Frustrou-se quando ele disse que não sabia nenhuma, nem Blue gardenia, nem Conceição. Ela murchou. Reclamou que o país não tem memória, que Cauby era eterno e que devia ser ouvido pelo mundo todo. Nós, brasileiros, não nos conformamos em ter ídolos exclusivos, preferimos dividi-los com o mundo — estranha dependência travestida de altruísmo.
No bar, a moça se recolheu até que o rapaz começou a tocar uma música do Wando. Ela, feliz de novo, começou a cantar, trocando palavras da canção que ela certamente não ouvia há tempos. E não se conteve:
– Gente, eu adoro esse Benito di Paula. Que pena que ele morreu...