Obra de Erico Verissimo ganha vida nas telonas com atuação de Fernanda Montenegro
O tempo e o vento traz também a atriz Cléo Pires no elenco
“Fiar, chorar e esperar”, não necessariamente nessa ordem, desponta como a sina das mulheres da família Terra Cambará, como ressalta a narradora da trama comandada por Jayme Monjardim. Na verdade expressa no off de Fernanda Montenegro — à frente do papel de Bibiana, interposta num duelo que separa as famílias Cambará e Amaral — reside a maior qualidade da adaptação da obra de Erico Verissimo.
Se Bibiana “viveu no ar” quando desfrutou da companhia do capitão Rodrigo (Thiago Lacerda, surpreendente), a desbravadora de um rústico Rio Grande do Sul, passado o luto, ajudou a transformar uma sociedade imperfeita, com doses de racismo, um conservadorismo que depositava nas mulheres traços de propriedade e um valor vital para a honra, a ser defendida com sangue.
Com ótima produção de Rita Buzzar (de Budapeste) e caprichada fotografia de Affonso Beato, desde meados do século 18, contempla a perpetuação de bons valores culturais. “Cantar adoça o sofrer”, destaca o galanteador Rodrigo que peleia por Bibiana (Marjorie Estiano, na fase jovem), contra o poderoso Bento Amaral (Leonardo Medeiros). Certos exageros no roteiro, por vezes literário, soam falsos. Para quem se lembra da magistral minissérie de Paulo José, a comparação com o longa soa à covardia.
Quatro perguntas // Cleo Pires
Houve certo desconforto em viver a personagem Ana Terra. Como a sua mãe viu o filme?
Usei a palavra “traumático”, mas talvez seja muito forte. Quis dizer de algo emocional que não estava resolvido em mim com a versão da tevê, feita pela minha mãe Glória Pires. Eu rejeitei aquilo de alguma forma. Sendo filha de artistas, isso parece meio louco. Mas, emocionalmente, não acessei um lugar evoluído. Um dia entendi isso: já estava me sentindo meio ignorante de rejeitar e todo mundo falando: “Gente, você tá louca, esse personagem é incrível”. Quanto à reação da minha mãe, eu nem quis sentar ao lado dela, porque eu ficaria agoniada. Ela adorou, mas não influenciou na minha construção.
Alguma qualidade da Ana Terra te modificou?
Eu estava num processo de introspecção, de entender quem eu era, mas acho que, entre tantas coisas, Ana Terra tem algo maternal, um instinto leoa de mãe que despertei em mim, que eu sempre tive, mas aí entendi que tinha.
Qual sua reação ao se ver na tela?
É sempre horrível. Eu me forço porque acho que é um bom desafio. Quando estou fazendo um personagem, fico focada ali, muito mergulhada. Realmente não tenho noção do que aquilo vai virar como cena, como filme. Então gosto de passar pelo processo. Fico chocada quando me vejo: ‘Gente, que horror que estou ali’. Mas, a cada olhada, estou um pouquinho melhor. Acho ainda que, amadurecendo, fico mais confortável na própria pele também, com mais confiança.
A beleza ajuda?
Ela te dá uma falsa autoconfiança. Eu nunca me senti bonita, mas ouvia muito isso. Querendo ou não, isso acaba te dominando de alguma forma, te contaminando, mas não é uma coisa ruim. Beleza é uma coisa maravilhosa. Eu adoro coisas, pessoas bonitas, lugares bonitos. Sou libriana, imagina... Tá bonito, me ganhou. Só não pode acostumar com a coisa superficial. Sabendo usar a beleza, ela te ajuda.