Vida pessoal e amorosa ganha espaço em longa-metragem sobre poetisa Florbela
Filme acerta ao fugir de clichês cinematográficos da mente incompreendida ou punida; confira a crítica
Ricardo Daehn
Publicação:06/06/2014 06:06Atualização: 06/06/2014 09:13
A dor de viver com a criação foi, no centro, uma das vertentes da cinebiografia Florbela, detida na vida da poeta portuguesa Florbela Espanca; prestes a estrear na cidade e comandada por Vicente A|ves do Ó. "É um paradoxo que Florbela tenha escrito tanta dor antes da dor verdadeiramente atingí-la, quando da morte do irmão", destaca o diretor nascido em Setúbal (Portugal). Ele mesmo completa: "só depois da morte do irmão é que ela se aprimora na produção. Mas isso já não me interessava no filme — interessava-me esse processo de viver a dor e a morte e dela tirar aquilo que nós podemos ser".
Há uma indicação de mais do que mera cumplicidade na relação de Espanca com o irmão dela, não?
Há mitos, difamações, mas não existem provas do envolvimento. Emocionalmente não há dúvidas, até por todo o complexo processo familiar. Eles são dois sobreviventes numa família sempre em constante reformulação. Depois da morte da Florbela, a ditadura em Portugal tratou de destruir esta ideia de mulher emancipada (que casou três vezes) voluntariosa, que fazia o que queria e assim bem escrevia. O caso com o irmão foi usado e abusado para destruir junto do público esta imagem. Como não sou detentor de nenhuma verdade, seria injusto para com ela inferir.
Quanto tempo para alcançar tanta beleza plástica nas telas?
Foi um ano de trabalho intenso, de muita preparação, com uma equipe de gente muito talentosa e trabalhadora. Apesar da moda atual ser sujar a imagem e pretenciosamente dizer-se que se procura "filmar o real", o que me provoca muitas gargalhadas pelo disparate, a construção do imaginário deste filme também procurou nas imagens da poesia dela todos os seus pontos de referência. Uma alma como a da Florbela necessitava de uma imagem tanto luminosa como negra, tanto trágica quanto heróica. Foi tudo filmado com muito amor.
Com fotografia caprichada, longa deixa no ar relação entre poetisa e irmão
Com os pés no chão, o diretor Vicente Alves do Ó — no longa Florbela — não presta reverência à figura sempre majestosa acoplada à poetisa portuguesa Florbela Espanca. Atido a pormenores, ele se garante na corrente cotidiana de uma artista tocada pela alta voltagem de sensibilidade.
A escritora é interpretada por Dalila Carmo, sem muitos arroubos. Recolhida em Matosinhos, depois de uma vida mais intensa e de repercussão em Lisboa, a poetisa viveu um amor, com rebaixamento de suas tendências libertárias, ao lado do médico Mário Lage (Albano Jerónimo).
Grande parte da trama — emoldurada por fotografia muito esmerada de Luís Branquinho (O preço da paz) — sonda sentimentos mais profundos da escritora pelo irmão dela, Apeles (Ivo Canelas). No contato, se vê o germinar da dose de insanidade que veio a comprometer a vida da artista morta em 1930.
No retrato do sufocamento, Florbela acerta, ao fugir de clichês cinematográficos da mente incompreendida ou punida. A direção de Vicente Alves do Ó indica um comedimento, na medida do que é prudente, ao se afirmar o retrato de alguém que, de fato, existiu.
A escritora é interpretada por Dalila Carmo, sem muitos arroubos. Recolhida em Matosinhos, depois de uma vida mais intensa e de repercussão em Lisboa, a poetisa viveu um amor, com rebaixamento de suas tendências libertárias, ao lado do médico Mário Lage (Albano Jerónimo).
Grande parte da trama — emoldurada por fotografia muito esmerada de Luís Branquinho (O preço da paz) — sonda sentimentos mais profundos da escritora pelo irmão dela, Apeles (Ivo Canelas). No contato, se vê o germinar da dose de insanidade que veio a comprometer a vida da artista morta em 1930.
No retrato do sufocamento, Florbela acerta, ao fugir de clichês cinematográficos da mente incompreendida ou punida. A direção de Vicente Alves do Ó indica um comedimento, na medida do que é prudente, ao se afirmar o retrato de alguém que, de fato, existiu.
A dor de viver com a criação foi, no centro, uma das vertentes da cinebiografia Florbela, detida na vida da poeta portuguesa Florbela Espanca; prestes a estrear na cidade e comandada por Vicente A|ves do Ó. "É um paradoxo que Florbela tenha escrito tanta dor antes da dor verdadeiramente atingí-la, quando da morte do irmão", destaca o diretor nascido em Setúbal (Portugal). Ele mesmo completa: "só depois da morte do irmão é que ela se aprimora na produção. Mas isso já não me interessava no filme — interessava-me esse processo de viver a dor e a morte e dela tirar aquilo que nós podemos ser".
Leia entrevista com diretor Vicente Alves do Ó e assista ao trailer do filme:
Há uma indicação de mais do que mera cumplicidade na relação de Espanca com o irmão dela, não?
Há mitos, difamações, mas não existem provas do envolvimento. Emocionalmente não há dúvidas, até por todo o complexo processo familiar. Eles são dois sobreviventes numa família sempre em constante reformulação. Depois da morte da Florbela, a ditadura em Portugal tratou de destruir esta ideia de mulher emancipada (que casou três vezes) voluntariosa, que fazia o que queria e assim bem escrevia. O caso com o irmão foi usado e abusado para destruir junto do público esta imagem. Como não sou detentor de nenhuma verdade, seria injusto para com ela inferir.
Quanto tempo para alcançar tanta beleza plástica nas telas?
Foi um ano de trabalho intenso, de muita preparação, com uma equipe de gente muito talentosa e trabalhadora. Apesar da moda atual ser sujar a imagem e pretenciosamente dizer-se que se procura "filmar o real", o que me provoca muitas gargalhadas pelo disparate, a construção do imaginário deste filme também procurou nas imagens da poesia dela todos os seus pontos de referência. Uma alma como a da Florbela necessitava de uma imagem tanto luminosa como negra, tanto trágica quanto heróica. Foi tudo filmado com muito amor.