'O homem das multidões' tem interações obtusas e pouco espontâneas
Além da presença expressiva de Jean-Claude Bernardet, o espectador apreciará, com Juvenal, a inspirada sequência onírica, no fim
Ricardo Daehn
Publicação:01/08/2014 06:03
Vencedores, há dois anos, dos prêmios principais no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (com filmes distintos), os cineastas Cao Guimarães e Marcelo Gomes faturaram, com O homem das multidões, a melhor direção no Festival do Rio, além de terem chegado ao segmento paralelo Panorama do Festival de Berlim. “Difícil é o ser humano, porque máquina não dá problema”, registra a personagem Margô (Sílvia Lourenço), peça sobressalente no cotidiano de Juvenal (Paulo André), metroviário que vive de uma empatia nunca consumada.
Mas, visto um filme tão similar quanto Transeunte (ótimo produto de Eryk Rocha), um comparativo se faz imediato. Uma vez que a solidão de Margô parece forjada, há um impasse de desconfiança na solidez dramática do filme. Entre interações obtusas e pouco espontâneas, os cinéfilos se esbaldarão na potência de linguagem oriental acoplada à trama. Além da presença expressiva de Jean-Claude Bernardet, o espectador apreciará, com Juvenal, a inspirada sequência onírica, no fim.
Duas perguntas Marcelo Gomes
De quem partiu a ideia de uma janela diferenciada para a exibição do filme?
Foi uma decisão conjunta. À medida que escrevemos, fomos mergulhando no drama dos personagens: um, na claustrofobia de viver cercado de personagens e o outro, abraça o pânico de viver cercado de pessoas. A janela foi perfeita para construir esta claustrofobia. No conto de Allan Poe em que nos inspiramos, o narrador segue o personagem-título e o enquadramento é meio voyeurístico — parece um buraco de fechadura que você vai seguindo. O personagem olha o mundo pela janela do metrô, que é quadrada. Já a personagem feminina não deixa o Instagram. É o primeiro filme com janela de instagram da história de cinema (risos).
Entre a mineirice e o lado pernambucano de vocês, codiretores, qual foi o saldo?
Saiu uma naturalidade: meu cinema é mais de personagens e o do Cao Guimarães é mais plástico. Houve uma contaminação de influências e, além de sabermos o que queremos do cinema, conhecemos bastante o olhar um do outro. Eu já tinha feito filme de parceria com o Karim Aïnouz, e o Cao teve experiências de parcerias anteriores. Foram 10 anos de construção do filme.
Premiado no festival de Brasília, o filme incomoda pela fotografia excessivamente sóbria
Vencedores, há dois anos, dos prêmios principais no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (com filmes distintos), os cineastas Cao Guimarães e Marcelo Gomes faturaram, com O homem das multidões, a melhor direção no Festival do Rio, além de terem chegado ao segmento paralelo Panorama do Festival de Berlim. “Difícil é o ser humano, porque máquina não dá problema”, registra a personagem Margô (Sílvia Lourenço), peça sobressalente no cotidiano de Juvenal (Paulo André), metroviário que vive de uma empatia nunca consumada.
Saiba mais...
Lidando com autômatos, Guimarães e Gomes — representantes dos pródigos cinemas mineiro e pernambucano, respectivamente — captam geladeiras vazias, gente consumida pelo trabalho e demasiada imaturidade social. A representação da frieza, feita da incômoda sobriedade de tons apagados, opacos e simétrico, é de fato consistente. Mas, visto um filme tão similar quanto Transeunte (ótimo produto de Eryk Rocha), um comparativo se faz imediato. Uma vez que a solidão de Margô parece forjada, há um impasse de desconfiança na solidez dramática do filme. Entre interações obtusas e pouco espontâneas, os cinéfilos se esbaldarão na potência de linguagem oriental acoplada à trama. Além da presença expressiva de Jean-Claude Bernardet, o espectador apreciará, com Juvenal, a inspirada sequência onírica, no fim.
Duas perguntas Marcelo Gomes
De quem partiu a ideia de uma janela diferenciada para a exibição do filme?
Foi uma decisão conjunta. À medida que escrevemos, fomos mergulhando no drama dos personagens: um, na claustrofobia de viver cercado de personagens e o outro, abraça o pânico de viver cercado de pessoas. A janela foi perfeita para construir esta claustrofobia. No conto de Allan Poe em que nos inspiramos, o narrador segue o personagem-título e o enquadramento é meio voyeurístico — parece um buraco de fechadura que você vai seguindo. O personagem olha o mundo pela janela do metrô, que é quadrada. Já a personagem feminina não deixa o Instagram. É o primeiro filme com janela de instagram da história de cinema (risos).
Entre a mineirice e o lado pernambucano de vocês, codiretores, qual foi o saldo?
Saiu uma naturalidade: meu cinema é mais de personagens e o do Cao Guimarães é mais plástico. Houve uma contaminação de influências e, além de sabermos o que queremos do cinema, conhecemos bastante o olhar um do outro. Eu já tinha feito filme de parceria com o Karim Aïnouz, e o Cao teve experiências de parcerias anteriores. Foram 10 anos de construção do filme.