Filme brasiliense O último cine drive-in presta homenagem ao cinema
O longa-metragem de Iberê Carvalho, premiado no Festival de Gramado, flerta com a metalinguagem
Existe, sim, uma sétima arte que agoniza — em meio ao cinema de efeitos especiais e bombas —, como bem debochou o recente Birdman. Sem muito espaço para amargura, o longa de estreia do cineasta brasiliense Iberê Carvalho ampara uma ideia semelhante: mas vai fundo na gramática convencional do cinema, como retomada de um cinema local de ficção mais ameno e crivado de genuína emoção. O grande risco, ao tratar de drama familiar embebido por nítida homenagem à cinematografia italiana, era resvalar no piegas, algo, com precisão, desviado na montagem de Iberê e J. Procópio.
Curiosa tem sido a multiplicação de atividades do gênero à la cine drive-in (com cinema fora da sala convencional) em Brasília justamente perto da estreia da fita. O cinema, no longa estrelado ainda por Rita Assemany (a mãe de Marlombrando), funciona, à perfeição, como elemento agregador de uma família desmantelada.
Zepedro Gollo, que pauta tanto a trilha sonora quanto assina como corroteirista de O último cine, é profissional da cidade a ser destacado, com Chico Sant’Anna (Zé, um pai mais paternal do que Almeida, na trama) e ainda com o diretor de fotografia André Carvalheira, que abusa de um tom alaranjado bem característico da cidade.
Equilibrado, o filme é arejado por coadjuvantes delineados como Fernanda Rocha — vencedora do Kikito de coadjuvante pelo papel de “operadora cinematográfica” muito presente — e por críticas indiretas a coisas como o mundo do 3D (numa cena, brevíssima, Othon Bastos impregna o teor de sua discrição).
Iberê, por sinal, ainda se comunica com os fãs de cinema, na direta citação a Central do Brasil (do qual Bastos participou) e na citação a O selvagem (com Brando). Como prega na fita, há bens muito maiores do que os materiais.
Duas perguntas // Fernanda Rocha
O segredo para despontar, ainda coadjuvante, não tem nada a ver com ser mulher do diretor (risos)? Aliás, ganhar prêmio em Gramado acentua a relevância de Brasília e de seus profissionais?
Não é ser casada com o diretor, não (risos). Veio um trabalho meu, muito forte; com a direção, com a direção de arte, com o figurino. Foi uma feliz coincidência. É um momento muito importante: de fora, estão olhando os profissionais de Brasília. Maíra Carvalho (também premiada) é uma diretora de arte estudada, com dois mestrados, e que dá aulas. Breno Nina é do Maranhão, mas teve formação em Brasília; eu escolhi essa cidade para viver.
Sua personagem parece quebrar estereótipos, não?
Grávida, ela está na condição mais feminina de todas. A Paula é o próprio poder feminino. É de um machismo muito grande a gente achar que uma mulher tem que ser feminina. Se ela não é feminina, ela é gay!? Perguntam-me: ‘a Paula (minha personagem) é gay?’ Sei lá! Pode ser gay, bi, o que for — isso não importa. Aliás, em que importa para essa personagem quem seja o pai? Em nada! Por que em toda a dramaturgia, a grávida tem que revelar de quem está grávida? Há mil possibilidades. Ela pode tudo — e esse é o grande empoderamento da mulher.