Confira a crítica: 'A casa que Jack construiu' tem violência levada ao extremo
Levitando num purgatório (tomada como referência 'A divina comédia'), Jack tem como vocação o pendor demoníaco
Ver o ator Bruno Ganz em cena de um filme de Lars von Trier pende à materialização de um deus e o diabo do cinema. Explica-se: Ganz, no passado, viveu um anjo em Asas do desejo (1987) enquanto encampou o total maquiavélico, na pele de Adolf Hitler (no longa A queda!). Em A casa que Jack construiu, porém, ele não tem nada de vitalidade: está carrancudo e sonolento, na pele de Virgílio, confidente do verdadeiro mal encarnado na Terra — o serial-killer Jack (Matt Dillon).
Em meio a uma coleção de cadáveres, seguem-se os discursos sobre putrefação (pessoas são reduzidas à matéria e são esclarecidos detalhes da produção de vinhos como os sauternes, derivados de “podridão nobre”). Com postura autorreferencial (há trechos de Anticristo e Melancolia, entre outros), von Trier descamba para um terreno infértil que, é bem verdade, se desprende das limitações de se encarar um filme de serial-killer, de frente —, mas, ao mesmo tempo, sabota o público, dada a absoluta falta de humanidade de Jack. Entre citações de filmes, indiretamente, von Trier apela para Taxi driver e Annabelle.