Oito homens, duas mulheres e um segredo em 'A odisseia dos tontos'; leia crítica
O diretor Sebastián Borensztein fala sobre a sensação de poder da coletividade e da reconstrução de sonhos
Ricardo Daehn
Publicação:01/11/2019 06:01Atualização: 31/10/2019 17:32

Ricardo Darín, Verónica Llinás e Luís Barndoni são intérpretes dos personagens que encabeçam plano de justiçamento, na Argentina de 2001
Uma realidade crítica está prestes a danar um grupo de futuros operários, às vésperas do colapso econômico argentino de 2001. Trabalhadores aplicados, eles são os protagonistas de A odisseia dos tontos. Abastecidos de esperança e de um espírito de cooperação, em Alsina (província de Rio Negro), o grupo — que pretende investir na exploração agrária — tem na liderança o casal Fermín (Ricardo Darín) e Lídia (Verônica Llinás). Ele, um pacato cidadão que já foi personalidade (à época em que jogava futebol) e ela, uma combativa mulher do campo.
Baseado em livro de Eduardo Sacheri (lembrado pelo sucesso de O segredo dos seus olhos), o roteiro do novo filme de Sebastián Borensztein (Um conto chinês) vira do avesso situações de injustiças sociais e, destacado nas bilheterias portenhas, se tornou o pré-candidato argentino para competir à vaga no Oscar. No atual momento, de retorno do peronismo e de crise aguda mundial, Borensztein tem muito a dizer, por meio do filme que trata da sensação de poder da coletividade, da aplicação de princípios à la Robin Hood e da reconstrução de sonhos.
Confira as sessões do flime.
Confira as sessões do flime.
Visando o desenvolvimento pessoal, mas com percepção de coletividade, cidadãos como o borracheiro Antonio (o excelente veterano Luis Brandoni) e a microempresária Carmen (Rita Cortese) veem as economias ameaçadas pelo advento do corralito (mecanismo do governo dos hermanos que emperrou a liberdade de movimentação financeira). Curiosamente, num mundo em que o advogado Manzi (Andrés Parra) e o gerente de banco Alvarado (Luciano Cazaux) ganham contornos de vilões, é por meio do exame do filme clássico Como roubar um milhão de dólares (1966) que o grupo de mocinhos partilha de plano para reaver investimentos extraviados.
Desautorizando a ação do Estado e minimizando o peso de instituições, os protagonistas atacam aqueles que "não sentem remorso ou culpa" e se tornaram verdadeiros reféns da riqueza (com vidas regradas a alarme e cofres). Ao abordar humanidade, é importante a maneira com a qual o diretor trata das relações anteriores às redes sociais, revelando a importância de elementos como confiança e transparência. Com um tema denso, opta, acertadamente, em diluir com picos de comédia o enredo que, em momentos, fica massante.