Na semana da independência, um brinde a brasileirissíma cachaça
Cachaça não serve apenas para ser tomada pura, quente e em uma única dose. Como qualquer destilado, é extremamente harmonizável. Confira receitas que combinam com a bebida
Na próxima quarta-feira, dia 13, comemoramos o Dia Nacional da Cachaça. A história da bebida está intrinsecamente conectada à do país. Remete ao Brasil Colônia, quando era consumida por escravos. Se conectou às raízes rurais, migrou para centros urbanos.
Pinga, caninha, branquinha, marvada. Chame como quiser, mas valorize-a. Como qualquer destilado, a aguardente de cana não se presta apenas para ser tomada pura, em uma golada só. O Divirta-se Mais comprova, nas páginas seguintes, porque a bebida merece atenção o ano inteiro.
“A cachaça pode ser tão complexa quanto outros pares. Há mais de 132 madeiras de envelhecimento em uso, e outras 100 em teste. Temos uma riqueza a ser explorada”, defende Isadora Bello Fornari, sommelière de cachaça que realiza a Travessias Brasil, expedições nacionais para degustação da bebida.
Cachaça é versátil, vai bem em drinques (da caipirinha ao Sex on the beach), serve para cozinhar e harmoniza com um vasto cardápio. Seja na mesa de bar, seja em restaurante sofisticado.
“A cachaça, historicamente, entra nos grandes centros como uma bebida das classes C, D e E, baratas e com alto teor alcoólico. Há alguns anos estamos trabalhando tanto do lado do produtor quanto do consumidor final. É a nossa bebida, e faz parte da construção de uma gastronomia genuinamente nacional”, defende André Castro, do Authoral, restaurante contemporâneo.
Camarões, cachaça e natureza
Quando o cliente chega ao Empório da Mata, parece que ele se transportou para outro lugar — nada de buzinas, asfalto e prédio. A vista da natureza é espetacular e, nas redondezas do restaurante, é possível apreciar a horta, galinheiro e até a exuberante vegetação, da qual Lídia Isaías, proprietária do local, cuida com tanto carinho.
A cachaça é outra estrela. Ela aparece no Camarão flambado na cachaça de alambique com raspas de limão siciliano, aspargos grelhados na manteiga e quinoa refogada (R$ 79). “Esse é um prato refrescante, cítrico e leve, ótimo para esse clima em.+ que estamos”, defende.
Outro preparo em que a cachaça dá apenas um toque é a feijoada. Na receita, Lídia coloca a cachaça de alambique quando as carnes são refogadas.
“Ela deixa um sabor muito agradável no fundo, além de ajudar a dissolver a gordura, o que faz o preparo ficar mais magro”, garante. No bufê de feijoada (R$ 57, por pessoa) servido aos sábados, das 12h às 16h, as carnes vêm separadas. O cliente ainda tem à disposição para se servir batidas de maracujá e limão, além da cachaça de alambique, charmosamente disposta em um barril.
Carne ardente
Em pleno Guará se abre um pedacinho do Nordeste no Ceará Carne de Sol, um quiosque aparentemente despretensioso, mas que reúne uma clientela cativa devido à qualidade dos preparos. A sugestão do proprietário Adelson Soares de Oliveira é a carne de sol na chapa flambada na cachaça (R$ 42,90).
“A gente faz a carne na chapa da cozinha, depois passa para a chapa que vai à mesa e então a cachaça é colocada, para o prato chegar à mesa ainda com o fogo aceso”, explica Adelson. No preparo o cliente ainda recebe, misturado à carne, cebola, queijo e, é claro, a tradicional mandioca cozida.
O preparo também pode ser feito com a picanha, por R$ 48,90, mas, nesse caso, no lugar da mandioca, vem pão. “Os clientes costumam pedir uma dose de cachaça para acompanhar esse tira-gosto”, conta o empresário. Entre as alternativas, estão São Francisco (R$ 5), Ipióca (R$ 5), Seleta (R$ 6) e Alambique (R$ 5).
Uma “casa” para a branquinha
Com cerca de 150 diferentes rótulos, o Empório da Cachaça é uma morada para a bebida branquinha (ou dourada) há pelo menos 20 anos, quando a marca foi fundada por André Romão. Assim como acontece em muitos alambiques, o entusiasta passou o encanto para a frente e hoje é o filho, Igor Romão, quem dá as ordens no espaço.
Mais que vender garrafas exclusivas garimpadas em todo o país, o Empório da Cachaça tem forte apelo graças, também, ao que sai das panelas. Uma das estrelas do menu poderia soar americana demais para quem prega a valorização dos ingredientes tupiniquins.
No entanto, a costelinha suína aparece coberta por molho de rapadura, outro ícone da culinária nacional. O corte suculento pode ser guarnecido de mandioca (R$ 48,90) ou batata frita (R$ 49,90), para petiscar, ou vir à mesa com arroz (R$ 48,90), para quem pretende fazer dela um almoço ou jantar.
“Ela é classicamente servida ao molho barbecue. No entanto, preferimos um molho agridoce feito com cebola, mostarda, vinagre e rapadura”, explica Igor Romão. Ele sugere casar a receita a cachaças envelhecidas em umburana, com paladar mais adocicado. É o caso da Matuta, uma paraibana artesanal feita com pequena escala que guarda o cheiro da cana-de-açúcar como herança. A dose sai por R$ 6,50. A garrafa custa R$ 43,90.
Santa pinga!
Sandra Silveira, à frente do Abençoado, tenta explorar todas as nuances da cachaça no bar do Sudoeste. “Como o vinho ou outros destilados, a cachaça tem enorme variedade”, defende a empresária.
De olho na memória gastronômica nacional, ela investe em comida de boteco de raiz. Essa faceta é explorada em itens como o Trio Mineiro (R$ 36), como foram batizadas as panelinhas recheadas com língua ao molho madeira, moela de frango e jiló recheado com carne moída. De sabor intenso, o petisco tem bom casamento com a cachaça Boi Parido (R$ 20), de Oliveiras, em Minas Gerais, que repousa em bálsamo e carvalho antes de ser engarrafada.
Por mais que tome partido da culinária brasileira com os dois pés fincados no interior do país, Sandra Silveira sabe que parte do público ainda torce o nariz para cortes não tão comuns na mesa brasileira, como a língua do boi. Para esse grupo, ela reserva a parmegiana de filé-mignon a palito (R$ 52,90), ideal para ser consumida com a Biquinha (R$ 18, a dose), cachaça fabricada em Salinas, também em Minas Gerais.
A rapadura, mais uma vez, vem somada a bebida. Se no Empório da Cachaça o doce vira molho, no Abençoado é transformado em drinque com cachaça de alambique especial, limão, gengibre e mel. A “rapadurinha” custa R$ 19.
De “casta” nobre
No Authoral, a cachaça tira a camisa xadrez e veste o terno. Ainda associada à comida “da roça”, a bebida pode e deve frequentar mesas da alta gastronomia. Essa é uma das missões de André Castro, chef e sócio de Eduardo Moreth, criador do destilado de cana servido no restaurante contemporâneo. A Authoral é do tipo premium e até apareceu em lista das melhores cachaças do ano de uma publicação especializada, em 2016.
Fabricada em um alambique na casa de Moreth, no ParkWay, a cachaça – a R$ 28, a dose, ou R$ 290, a garrafa – é envelhecida em dois tipos de carvalho (francês e americano), umburana, bálsamo e cerejeira. Tem os aromas e sabores elevados se associado a um prato da seção “Pra corajosos” do cardápio. Trata-se da barriga de porco ao molho hoisin com purê de cará e cuscuz de milho, por R$ 58. “Porco e cachaça combinam como atum e shoyu, ou tomate e manjericão. Em resumo: funcionam!”, brinca André Castro.
Duas perguntas // Isadora Bello Fornari
Isadora Bello Fornari é sommelier de cachaça e organizadora do projeto Travessias Brasil, que faz tours, harmonizações e degustações em todo o Brasil para popularizar as várias faces do destilado. Ela luta para quebrar o preconceito contra a bebida e ainda conta que se a cachaça for consumida com uma pedrinha de gelo, os aromas e sabores serão sentidos mais plenamente.
O brasileiro ainda tem preconceito com a cachaça. Por quais razões?
A cachaça representa o Brasil em todos os aspectos. O país pode ser descrito por meio dessa bebida, diversa, mas ainda negada. Foi o primeiro destilado da América Latina e é o menos valorizado. Muita gente ainda prefere recorrer ao que vem de fora. É preciso uma mudança cultural, e ela é feita de vários momentos diários. Não existe uma cachaça igual a outra ou uma única maneira de tomá-la. Uma boa prova é misturar 80ml de espumante com 40ml de cachaça. Isso traz uma sensação de leveza, um contraste.
De que outras maneiras ela pode ser consumida?
Em temperaturas mais baixas se sentem melhor os aromas mais voláteis. Com uma pedra de gelo, como no uísque, há uma redução do teor alcoólico e percebe-se melhor nuances que não sentiríamos naturalmente, quando o perfume do álcool as sobrepõem.
Caipirinhas para todos os gostos
O clima de praia é indiscutível para quem escolhe ocupar a varanda do Coco Bambu do Lago Sul. Para completar esse clima praiano, que tal uma refrescante caipirinha, feita com combinações que vão do clássico à assinatura da casa?
Na carta, o drinque é dividido em duas partes: a primeira são as bebidas tradicionais (a partir de R$ 17), que incluem limão, lima, maracujá, a famosa caipicoco e até um inusitado sabor banana. “As caipirinhas são muito tradicionais na casa. Entre os sabores, o cliente ainda pode escolher algumas cachaças, vodca ou saquê”, explica o diretor da unidade do lago, Elias Bachá.
Já as versões gourmet (R$ 26) do drinque contam com combinações ousadas. O diretor garante que tudo é muito bem pensado e executado: “Nossa chef executiva, Daniela Barreira, é responsável por todas as caipirinhas gourmets, os sabores ficam refrescantes e muito gostosos.” Vale experimentar a de lima da pérsia, limão-siciliano e rapadura.”
Bombom que criança não come
A cachaça e o chocolate parecem terem sido feitos um para o outro em algumas receitas encontradas na Praliné. Caso do bombom de pinga (R$ 20 – 100g). A receita é simples: uma casquinha de chocolate amargo com a alegre surpresa da bebida, que recheia o doce.
“Esse é um bombom maravilhoso, mas para um público muito específico. Quem gosta sempre quer, mas não são todos que conhecem”, explica a proprietária do local Marion Straub Vendramini.
“Nossos bombons são feitos com chocolate importado e, no caso dos que são recheados com bebidas, chocolate amargo”, ressalta Marion. Ela ainda sugere o bombom como um digestivo para almoços ou jantares. “Além de o docinho ser uma boa ideia para substituir um digestivo, o álcool limpa o paladar, o que ajuda com o chocolate gorduroso”, finaliza.
Para fazer turismo
Embora os principais produtores de cachaça ainda estejam concentrados em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, cresce em Brasília a quantidade de alambiques, ou lugares em que a “marvada” é produzida artesanalmente. Além da cachaça Authoral, existem duas fábricas de renome instaladas em Alexânia. Tanto a Cachaça DoMinistro quanto o Alambique Cambéba ficam às margens da BR-060.
O Cambéba tem virado, aos poucos, um ponto turístico e gastronômico para onde os brasilienses fogem sempre que têm um tempo extra. Além de servir de espaço para a produção da cachaça homônima, que descansa por seis anos em barris de carvalho, o Cambéba abriu as portas para visitação. Está sendo chamado de “Toscana” do cerrado devido à bonita vista para a mata nativa, como uma alusão a famosa região vinícola italiana.
Lá, é possível conhecer e degustar a aguardente e drinques feitos a partir dela, como o Sex on the beach (R$ 19), feito com a Cambéba orgânica prata mais licor fino, suco de laranja e xarope de romã. Um charmoso bistrô completa a experiência.
ONDE COMER
Abençoado(CLSW 105, Bl. C, Lj. 82, Sudoeste; 3256-0008), aberto diariamente, das 11h à 0h.
Authoral
(302 Sul, Bl. A, lj. 10; 3225-0052), aberto de segunda a quinta, das 12h às 15h, e das 19h às 23h; sexta, das 12h às 15h, e das 19h à 0h; sábado, das 12h às 16h, e das 19h à 0h; e domingo, das 12h30 às 17h.
Cambéba Restaurante e Cachaçaria
(BR-060, km 21, 300 metros à direita do Outlet Premium Brasília, Alexânia; 62 3336-2220), aberto terça e quarta, das 11h às 15h; quinta a sábado, das 11h às 15h, e das 19h à 0h; e domingo, das 11h às 15h.
Ceará Carne de Sol
(QE 4, AE A, Quiosque 1, ao lado do Sesc, Guará; 3257-5672), aberto de segunda a quarta, das 11h à 0h; quinta a sábado, das 11h às 2h; e domingo, das 11h à 0h.
Coco Bambu
(SCES Tc. 2, Lt. 2; 3224-5585), aberto de segunda a quinta, das 11h30 às 16h, e das 18h à 0h; sexta e sábado, das 11h30 à 1h; e domingo, das 11h30 à 0h.
Empório da Cachaça
(405 Sul, Bl. D, lj. 26; 3244-2143), aberto de segunda a sábado, das 12h à 0h.
Empório da Mata
(SHJB Mansões Mata da Anta, Ch. 15, Cond. Vila Empório da Mata; 3427-1312), aberto quarta e quinta, das 19h às 23h; sexta e sábado, das 12h às 16h, e das 19h à 0h; e domingo, das 12h às 17h.
Praliné
(205 Sul, Bl. A, lj 3; 3443-7490), aberto diariamente, das 7h às 21h.