Aprenda tudo sobre queijos com o mestre queijeiro Bruno Cabral
Cabral condena o ato da Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro de jogar queijo fora durante o Rock in Rio: "Um pecado e um absurdo"
Rebeca Oliveira
Publicação:29/09/2017 06:00
Bruno Cabral é mestre queijeiro e um dos organizadores do Prêmio Queijo Brasil
Referência na venda e na divulgação de queijos artesanais brasileiros pelo país, Bruno Cabral foi um dos especialistas a se surpreenderem com um acontecimento que pautou as discussões gastronômicas nas últimas semanas. Convidada para participar da área gourmet do Rock in Rio, a chef gaúcha Roberta Sudbrack retirou o estande em que trabalharia depois de ver mais de 80kg de queijo (e outros 80kg de charcutaria) jogados fora pela Vigilância Sanitário do Rio de Janeiro. A alegação? A falta do Selo de Inspeção Federal (SIF) nas mercadorias, algumas delas fabricadas por pequenos produtores de Pernambuco.
“Jogar os queijos fora foi algo de terceiro mundo, de uma sociedade não desenvolvida, um pecado e um absurdo”, reclama Bruno Cabral, um dos organizadores do Prêmio Queijo Brasil, com terceira edição marcada para 26 de outubro em São Paulo. As premissas do especialista em queijos artesanais brasileiros vão ao encontro do que defende a melhor chef da América Latina, conhecida por comandar por anos a cozinha do Palácio do Planalto (no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso). Sudbrack engatilhou o debate e mostrou a urgência em atualizar a legislação sobre queijos artesanais brasileiros.
Entenda
Os alimentos de origem animal são regidos por uma mesma legislação. Queijo, mel, embutidos, ovos. Toda a certificação sanitária vem de âmbitos geográficos diferentes. O queijo produzido no município de São Paulo, por exemplo, tem o Certificado de Inspeção Municipal (SIM). Esse queijo só pode ser comercializado lá. Existe também a do âmbito estadual, o Sistema de Inspeção Estadual. Por último, o Sistema de Inspeção Federal (SIF), para os que podem ser produzidos e comercializados em qualquer lugar do Brasil, inclusive com a permissão para exportação. É um imbróglio e complicado, mas é como é. Os queijos apreendidos com Roberta Sudbrack tinham selo de Pernambuco, e estavam sendo comercializados no Rio de Janeiro. Portanto, caracterizou-se uma infração. Ocorre que a Agência de Vigilância Sanitária estava cumprindo o papel e trabalho deles. A lei é essa, e é clara. Ela é errada? Sim. Está atrasada? Sim. Mas é a que está aí.
Atualizar é preciso
Roberta Sudbrack é uma superchef, a conheço e já forneci queijos. Eu comeria qualquer coisa que ela colocasse no meu prato de olhos fechados. Ela e outros chefs de cozinha, e nós, lojistas de queijos, temos um papel fundamental na sociedade de difundir e defender o produto brasileiro. O artesão é o detentor e transmissor de uma tradição. Pede por proteção. E para isso é necessário uma legislação que atenda as necessidades nacionais, e não só regionais. Para isso lutamos. Eu, com minha loja e esse trabalho há 10 anos, e a Roberta, há 25 anos. Precisamos de uma atualização na legislação para que essa tradição brasileira de mais de 400 anos não morra. Temos produção de queijo do extremo Sul ao Norte. A legislação tem que defender e não proibir isso. O consumidor está sedento por conhecer o território brasileiro por meio da gastronomia. Vemos isso há anos acontecendo em restaurantes. Ingredientes como o tucupi e o mel de Jataí, entre outros, tem se popularizado pelas mãos de grandes chefs. O queijo está na fila.
Ação política
Na última semana alguns produtores nacionais de queijo estavam na Câmara dos Deputados. Estamos vendo que existe um interesse por parte dos políticos de mudar isso. O que seria mais interessante eram os estados se responsabilizarem pela inspeção sanitária. Eles estão preparados, tanto que já existe esse selo. O que não pode acontecer é municípios vizinhos com fronteiras de estado não poderem consumir o produto um do outro. Não faz sentido. O primeiro passo seria a equivalência da fiscalização.
O futuro
Temos vários Brasis e biomas completamente diferentes um do outro. Do semiárido da Paraíba à Ilha do Marajó, no Norte, são realidades distintas. Hoje, nossa lei entende o processo de maturação como sendo o único de segurança alimentar. Por conta de todas as fermentações, do ácido latico que existe nesse processo, ele contempla só essa parte do processo como exigência sanitária. No entanto, o processo sanitário deve ter início na saúde do animal. Existem muitos queijos aptos a serem consumidos sem nenhum dia de maturação porque o animal é saudável, o leite cru foi bem obtido e trabalhado e, portanto, esse queijo tem saúde e qualidade alimentar. Para se respaldar, a legislação atual foi feita pensando nos produtores que não são bons. E eles são uma minoria. É um passo a passo de qualidade constante. O produtor tem que passar por cursos de atualizações e boas práticas na produção de alimentos, os lojistas precisam passar por cursos de boas práticas de manipulação do queijo. Toda a estrutura tem que estar ligada. Precisa de intercessões e contatos para que a rastreabilidade não seja perdida.