Brasília-DF,
25/ABR/2024

Confira pratos da gastronomia brasileira que têm uma pitada da África

A culinária afro-brasileira está na forma de preparo e nos ingredientes usados nas receitas do nosso dia a dia

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Renata Rios João Paulo Zanatto* Melissa Duarte* Publicação:22/11/2019 06:00Atualização:21/11/2019 11:09
A riqueza gastronômica do Brasil é um dos principais atrativos turísticos. Ingredientes particulares e cheios de surpresas, técnicas de preparo inusitadas e únicas, tudo isso resulta em uma comida especial. Entre as influências fundamentais que ajudaram a lapidar o que comemos hoje estão os escravos, forçados a abandonar a terra natal, faziam nas senzalas receitas que traziam na memória parte da cultura deles. As influências da gastronomia africana fazem parte da formação cultural nacional. Mais que isso. É praticamente impossível dissociá-las.

É comum relacionar essa influência à gastronomia baiana. O dendê, por exemplo, é um ingrediente típico da África e usado pelos baianos em todas as partes, da farinha à moqueca. Outro preparo que tem toda a influência do continente africano é o queridinho acarajé — o bolinho de feijão frito no azeite de dendê, com camarão seco, sal e cebola. A receita é tão importante culturalmente que foi promovida a patrimônio nacional.

Em Minas Gerais, a relação entre as gastronomias também é forte. “Quando abrimos o Simbaz, as pessoas não conheciam bem a gastronomia africana. Achavam que era apimentada e pesada. Ela não é, é uma comida que lembra bem a baiana e a mineira”, pontua Chidera Ifeanyi, proprietário do Simbaz — Culinária Afro e Bar.

No Quilombo Kalunga, é marcante o uso de ingredientes locais. “Usamos muitas coisas do cerrado, como a castanha-de-baru e a pimenta-de-macaco”, detalha a proprietária do Crioula Café, Helena Rosa, que deixou a comunidade para estudar aos 13 anos e, atualmente, apresenta os sabores do quilombo no estabelecimento.

Para fechar, doces também ganham a influência do continente. Um exemplo é a canjica, ou manguzá, como é chamada no Nordeste, além da cocada.

*Estagiários sob supervisão de Igor Silveira. 

Conheça receitas tradicionais da África (CB/D.A Press)
Conheça receitas tradicionais da África

No prato e na parede


Entre as casas com ingredientes e preparos do continente africano, o Simbaz — Culinária Afro e Bar virou ponto de referência na cidade. Também, não é para menos, a casa conta com os mínimos detalhes pensados para envolver o cliente na cultura do país natal do chef Chidera Ifeanyi, a Nigéria. “Vim para estudar, há 11 anos. Fui cozinheiro oficial da Embaixada da Nigéria e senti necessidade de algo com a nossa cultura. Vi uma oportunidade e abri a casa”, relembra, orgulhoso.

Entre os clientes, logo na entrada, as paredes pintadas com muitas cores incluem mapa da África, relógios, quadros e bandeiras. “Quando decidimos abrir, fizemos uma reunião com um arquiteto e pensamos em uma decoração bem africana”, conta Ifeanyi. Ele ainda revela que, no início, muitos clientes achavam que a comida seria pesada e picante. “Na verdade, parece muito com a gastronomia baiana e com a mineira”, complementa.

Para comer, o chef faz mais referências. Os nomes dos pratos de carne “de terra” são montanhas africanas e as proteínas, que vêm das águas, são rios. Azo Rock (R$ 25,90) batiza não só os solos nigerianos como também o preparo feito com arroz jollof, frango e banana-da-terra. “O arroz é feito com curry e outros ingredientes”, descreve. Do mar, a sugestão é o River Nija (R$ 46,90), maior rio da Nigéria e também uma bela tilápia grelhada ou frita e temperada com os temperos da casa.

Chidera Ifeanyi batizou os preparos com nomes que homenageiam a Nigéria (Bárbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)
Chidera Ifeanyi batizou os preparos com nomes que homenageiam a Nigéria

Carro-chefe: África!


Especializado em gastronomia brasileira, o Manzuá tem como carros-chefes pratos que trazem a África como influência. 

O acarajé (R$ 35) é preparado no quiosque, como afirma Genival Lima, sócio do restaurante. “Numa área de manipulação, a gente limpa e tira toda a pele do feijão-fradinho, lava bem e tritura, com sal e cebola, até criar uma massa pastosa. A baiana pega essa massa e faz um bolinho no azeite de dendê”, destaca Lima. O preparo vem acompanhado de vatapá, camarão seco e vinagrete.

“Os pratos com influência da culinária africana são os mais pedidos. A gente tem uma aceitação muito boa da acarajé, das entradas é o que mais sai. Dos principais, a moqueca (a partir de R$ 170, para duas pessoas) é um dos mais pedidos”, revela Genival Lima.

O Manzuá conta com um quiosque próprio de acarajé para saciar a vontade do público da famosa receita afro-brasileira (Carlos Vieira/CB/D.A Press)
O Manzuá conta com um quiosque próprio de acarajé para saciar a vontade do público da famosa receita afro-brasileira

Herança afetuosa


De geração para geração. O restaurante Ki-Mukeka tem sua origem no recôncavo baiano e está sob o comando da terceira geração da família Oliveira. A casa tem como destaque a moqueca. “A que fazemos é uma receita tradicional da minha avó, passada para os meus pais e, hoje, eu que estou à frente dela”, conta Nelson Oliveira, chef do estabelecimento.

A partir de R$ 150 e servindo até duas pessoas, a moqueca pode ser de camarão, mariscos, peixe badejo, entre outras. Oliveira revela o segredo. “A fórmula para uma boa moqueca são os ingredientes frescos”, ressalta o chef, que aponta também o uso de azeite de dendê artesanal no preparo, que dá um toque especial na receita. “Ele é como se fosse a âncora. Vai se mostrar presente, mas sem estar à frente dos outros sabores. No final da garfada, o dendê dá aquele tom aveludado, uma sensação macia na boca”, descreve. O preparo só termina de cozinhar quando chega à mesa do cliente, servido em uma tradicional panela de barro.

Nelson Oliveira salienta a importância das influências africanas em nossa culinária. “Estas influências são partes da nossa história, a gente não pode fugir disso. É importante tê-las em nosso dia a dia, no nosso cotidiano, pois não nos deixa esquecer do nosso passado”, finaliza.

Uma das opções que agradam o público é a moqueca de mariscos (Gustavo Moreno/CB/D.A.Press)
Uma das opções que agradam o público é a moqueca de mariscos

Cheio de influências 


Entre as receitas que são famosas pela origem, está a feijoada. As partes descartadas do porco eram dadas aos escravos, que misturavam os ingredientes ao feijão e faziam, assim, as primeiras feijoadas. Passaram-se séculos e a receita ganhou o posto de paixão nacional.

No bufê do Batata Doce (R$ 56,90, o quilo), as receitas com origem africana figuram nas opções. Às sextas, o chef da casa, Francisco Lindomar Rocha, prepara a feijoada em formato pensado para agradar o cliente. Ele faz a receita com duas versões. “Em uma panela, coloco calabresa, charque e paio. Na outra, orelha, rabo, pé... Assim, o cliente escolhe como prefere a receita”, explica o chef.

Às quintas, é a vez da rabada, outra receita que arranca suspiros e enche os pratos dos clientes da casa. “Fazemos com agrião, bem limpa. Depois, marinamos por uma hora. Para fazer, queimamos no açúcar e temperamos bem. Aí, é só cozinhar bem, para ficar macia”, pontua. Diariamente, a moqueca também ganha espaço no bufê. “Faço tanto a moqueca  baiana, que leva dendê, quanto a pernambucana, que é sem”, descreve Rocha, que ainda informa que usa peixes variados.

As receitas servidas pelo chef Lindomar no Batata Doce são consagradas nacionalmente e recebem influência africana  (Vinicius Cardoso Vieira/Esp. CB/D.A Press)
As receitas servidas pelo chef Lindomar no Batata Doce são consagradas nacionalmente e recebem influência africana

Gostinho mineiro

A culinária africana também influencia os preparos mineiros. No restaurante Meire Gontijo Cozinha Mineira, os temperos e sabores de Minas Gerais ganham a clientela. O cardápio à la carte varia a cada dia e muda todos os meses. Servida aos domingos, a Picanha da Sinhá (R$ 110, família) — com arroz, tutu de feijão, ovo caipira, couve refogada e torresmo — é uma das queridinhas da casa.

O tutu vem do quimbundo ki’tutu — idioma banto de Angola —, e também pode ser chamado de ungui. No modo de preparo, primeiro cozinha o feijão, depois bate no liquidificador. No tempero é que vem a graça: sal, alho e banha de porco. Só então vêm a farinha e o torresmo, e mexe. “A banha dá o sabor diferenciado do feijão”, garante a chef Meire Gontijo, que dá nome a casa.

Com pé de porco, orelha, bacon, costelinha, pernil, calabresa, paio e feijão-preto, a tradicional Feijoada Mineira (R$ 29, individual; R$ 59, família) — servida à sextas e aos sábados — surgiu pelas mãos dos escravos africanos, na época do Brasil Colônia. “Os ingredientes) vêm todos misturados, como era antigamente”, descreve a proprietária.

Batido e bem temperado com banha: o tutu é a cara da culinária mineira e tem origens africanas (Ana Rayssa/CB/D.A Press)
Batido e bem temperado com banha: o tutu é a cara da culinária mineira e tem origens africanas

Desce uma dose!


Da cana-de-açúcar, vem a cachaça, popular no Brasil desde o início da colonização. A bebida também conquista a clientela do Empório da Cachaça, onde a produção artesanal é feita em alambique de cobre. Primeiro, o líquido é fermentado de forma natural, com fubá de milho ou bagaço de cana e, depois destilado, o que garante maior teor alcoólico: de 38% a 42%.

Por último, vem o processo de envelhecimento — em barris de carvalho ou umburana, por exemplo —, que não é obrigatório. “Melhora todas as características sensoriais da bebida, como cheiro, gosto e cor”, afirma o proprietário Igor Romão. “O cliente olha primeiro, depois sente o cheiro e, só então, degusta”, explica. Com 39%, a Cana-da-terra (R$ 8,90, dose de 50ml; R$ 59, garrafa de 700ml) é suave, aveludada, pouco adstringente e não agride a boca. Apesar do alto nível de álcool, a fermentação natural não a deixa ficar ácida.

Já a Formosa (R$ 16,90, dose de 50ml; R$ 119, garrafa de 700ml) é envelhecida durante cinco anos em barril de carvalho. Pela madeira, harmoniza com carne vermelha e queijos fortes, como ancho na chapa (R$ 13,90  cada 100g). Quem busca aperitivo doce ou digestivo, pode pedir cachaça de milho (R$ 6,90, dose de 50ml; R$ 39, garrafa de 700ml).

A cachaça é popular desde a colonização (Monique Renne/Esp. CB/D.A Press
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A cachaça é popular desde a colonização

Um pedacinho do quilombo


Nascida no Quilombo Kalunga, Helena Rosa saiu cedo da comunidade onde cresceu com um objetivo: estudar. Anos depois, em 30 de junho de 2018, abriu o Crioula Café. Atualmente, o ponto já é consagrado e conhecido na cidade. Tanto no menu quanto na decoração, a empresária coloca um pouco da cultura do seu povo. “Vou, pelo menos, duas vezes por ano para lá (quilombo) e volto com ingredientes, como a pimenta-de-macaco”, informa.

Entre as alternativas que ela serve, destaca, o misto quente com carne de sol (R$ 14), uma receita que ela faz com os temperos do quilombo. “A carne de sol leva essa pimenta e a jaborandi, que são suaves e aromáticas”, descreve.

Outra receita que traz ingredientes quilombolas é o bolo de chocolate com castanha-de-baru (R$ 14). “Esse é um bolo mais denso, mas muito bem-aceito”, analisa sobre a receita. Para ela, as misturas de cultura gastronômicas são comuns. “Eu acho que é tão comum que, muitas vezes, as pessoas nem percebem a influência”, pondera.

Helena Rosa trouxe um pouco da cultura do seu povo no menu e na decoração da casa (Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press
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Helena Rosa trouxe um pouco da cultura do seu povo no menu e na decoração da casa

Onde comer


  • Batata Doce Restaurante & Café (SIG, Q. 4, lt 125 e 175, Bl. A, lj 23 e 24, Capital Financial Center, térreo; 3711-5151), aberto de segunda a sexta, das 7h às 22h; sábado, das 7h às 17h.
  • Crioula Café (QI 13, Bl. A, lj. 25, Florida Center, Guará; 99164-3920), aberto de segunda a sexta, das 14h às 20h; sábado, das 9h às 20h.
  • Empório da Cachaça (405 Sul, Bl. D, lj. 26; 3244-2143), aberto de segunda a sábado, das 12h à 0h. A casa abre de um a dois domingos por mês, das 12h às 19h, conforme divulgação no Instagram (@emporio.cachaca).
  • Ki-Mukeka (SHTN, Tc. 2, cj. 5A; 3306-1015), aberto de terça a sexta-feira, das 11h30 às 16h; sábado, domingo e feriado, das 11h30 às 17h.
  • Manzuá (SHIS, QL 10, Pontão do Lago Sul; 3364-6090), de segunda a quinta, das 12h à 0h; sexta e sábado, de 12h à 1h; domingo, das 12h às 23h.
  • Meire Gontijo Cozinha Mineira (QE 30, cj. K, lt. 9, Guará ll; 3382-6625), aberto diariamente, das 11h às 15h, e das 18h às 23h.
  • Simbaz — Culinária Afro e Bar (412 Sul, Bl. D, lj. 15; 3346-7540), aberto de terça a sábado, das 12h à 0h; domingo, das 12h às 17h.

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