Brasília-DF,
26/ABR/2024

Lei do Silêncio: a estupidez impede algumas das melhores coisas que a vida oferece

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Paulo Pestana Publicação:12/06/2015 08:00
Tá legal: foi bacana ouvir no celular a musiquinha gaiata dizendo que Brasília é isso e aquilo e que nós não somos do Goiás. O detalhe é que Brasília é mais. Bem mais. Peço desculpas se parece mau humor mas, sem desmerecer quem faz troça, tem gente fazendo coisa um pouquinho mais séria por aqui. Há muito tempo. E com graça.

Brasília não precisa de palavras para ser traduzida; é uma mistura de emoções, como qualquer comunidade deve ser. O pessoal que apoia essa radicalização da Lei do Silêncio, patrocinada por políticos que preferem ver o povo dormindo, deveria abrir os ouvidos: a estupidez impede algumas das melhores coisas que a vida oferece.

A música, mais do que a prosa e a poesia, além de qualquer manifestação coletiva, é o cimento que constrói o caráter de uma comunidade. E a gente começa a entender Vinicius, quando ele diz que fazer samba não é fazer piada.

Brasília tem uma música que revela um bocado da alma dessa jovem cidade. Parte se expressa por palavras que, ao mesmo tempo, direcionam as sensações e limitam as emoções. Outra parte chega sob o véu da sutileza. Pena que estão ambas escondidas.

Eis o busílis: o fundo do baú nem sempre é lugar de quinquilharia. E joias aparecem.

No próximo dia 20, no Clube do Choro, Clôdo Ferreira lança seu quarto disco solo — já disponível no Deezer e no Spotfy, serviços de streaming da internet. Por si só é um acontecimento, posto que é um compositor de mão cheia, expoente da música popular brasileira, no tempo que ela ousou existir. Mas há mais.

Entre as 10 faixas do disco, Clôdo pôs palavras e recuperou duas composições de Carlinhos 7 Cordas, um dos músicos mais importantes na formação musical da cidade. Nascido José Carlos da Silva, assumiu o numeral que distingue seu instrumento para fugir dos milhares de homônimos — com o talento que tem, nem precisava tanto.

Carlinhos chegou a Brasília no fim0s dos anos 1970 depois de ter integrado o Época de Ouro, o mais importante grupo de choro do país desde os Oito Batutas.

A partir daí, misturou-se à cena musical da cidade, ao ponto de se casar com Alcione, filha do maestro João Tomé, um totem da cultura brasiliense.

Clôdo, não é novidade, é um compositor cuidadoso; exerce o ofício com esmero. Abre o disco com um tango canção (Quem fala de mim) e vai evoluindo em xotes, choros e toadas. Iluminuras e Diamantes, os dois choros-canção de Carlinhos 7 Cordas, brilham na seleção — e não apenas pelos títulos. Carlinhos ficou especialmente tocado com a letra de Iluminuras, mas adorou as duas.

Meio sem querer, Clôdo alerta para necessidade de se preservar a produção cultural da cidade. Numa recente roda musical, o flautista Antônio Lício puxou dois choros de Dionísio Della Penna, o Coqueiro, que estão registrados apenas na memória dos velhos companheiros. São músicas, como tantas, que correm o risco de se perder; um descaso pior do que a Lei do Silêncio.
Tags: celular

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