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26/ABR/2024

Uma reflexão sobre ídolos surge da história de uma camiseta na crônica da semana

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Paulo Pestana Publicação:22/07/2016 07:25Atualização:21/07/2016 17:41
Começou com os super-heróis esta moda de vestir a cueca em cima da calça; hoje, a meninada está quase lá, exibindo a marca e até o que era para esconder. Os sutiãs foram imolados em fogueiras como representantes da opressão ao sexo feminino, mas ainda assim são usados para atiçar feromônios alheios.

Só que nenhuma das chamadas roupas de baixo atingiu o status da camiseta, que antigamente conhecíamos como camisa de meia. Deixou a posição subalterna de proteger a roupa de suores e odores para brilhar — às vezes literalmente — e até definir personalidades.
 
Dois bilhões de camisetas são vendidas em todo o mundo, anualmente. Para muita gente, é sinal de atitude, oportunidade para expressar a simpatia por um time, uma causa ou até ideologia com frases e desenhos — uma dessas senhoras chiques, não sei se Kalil ou Pascolato, chegou a dizer que camiseta é uma tela em branco.
 
Há quem se lembre daquele presidente que vestiu uma camiseta com a frase “o tempo é o senhor da razão”, como uma promessa de inocência futura. No caso dele, o velho ditado lusitano foi inútil: o tempo passou e ele continua tão mal falado, agora senador, quanto antes.
 
Nem sempre é preciso escrever alguma coisa na roupa para mostrar a atitude: ou Marlon Brando precisa imprimir um palavrão na camiseta branca usada em Os Selvagens? E Sigourney Weaver com aquela regatinha em Alien? Muito melhor sem palavras.
 
Mas a camiseta é também espaço para demonstrar respeito aos ídolos.
 
Luis não tinha nada na cabeça quando foi desfilar com sua camiseta nova, presente de aniversário. Foi comprar vinhos. A estampa trazia o rosto de Pixinguinha, com aquela plácida fisionomia de lama — nada a ver com o momento atual da política brasileira, mas um ser de elevada realização espiritual, professor de darma, segundo os budistas.
 
Pixinguinha é um patrimônio universal. Dias desses, o bandolinista Raul da Ana Julia me disse que, para ele, é o segundo melhor melodista do mundo — atrás apenas de Tchaikovsky. Não discuto com Raul. É um camarada que sabe das coisas.
 
Ainda mais porque também acho que Pixinguinha merece todas as reverências, de estátuas de bronze a estampa de camiseta, mas principalmente aquelas que deixam sua obra em evidência, como a página na internet mantida pelo Instituto Moreira Salles, com partituras e áudios. É um gigante.
 
Autor de mais de mil canções entre polcas, choros, sambas e maxixes, Pixinguinha é o pai da música popular brasileira. Ele rompeu com os trejeitos europeus dos arranjadores, ao abrigar músicos de formação não acadêmica e experiências distintas, além de manifestações comunitárias e étnicas. Ainda hoje seus arranjos impressionam pela riqueza harmônica e pelos timbres.
 
Era esse Pixinguinha que estampava a camiseta do orgulhoso Luis, que já tinha passado pelo caixa com as garrafas, quando chegou ao estacionamento. Como sempre, se aproximou um guardador de carro querendo ser simpático para ver se auferia maiores lucros:
 
— Aí, doutor, gostei da camiseta com o Mussum.
 
Luis não perdeu o bom humor:
 
— Não, esse é o Pixinguinhis...

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