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Crônica da semana: Cerveja desregradora

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Paulo Pestana Publicação:10/03/2017 06:15
Desde o início dos tempos, as relações entre irmãos são complicadas. Caim matou Abel por inveja e foi punido com o banimento do Éden para a terra da Fuga, obrigado a levar a mulher que não tinha feito nada, coitada. Deu origem à palavra fratricídio e às confusões que se espalham por todas as famílias.

Irmãos brigam muito. Por herança, pelo amor dos pais, qualquer coisa. Se desentendem por aquela coisinha de nada turbinada pela intimidade. Mas nunca tinha ouvido falar que brigavam também por causa de cerveja.
 
Não era uma pílsen qualquer. O mais novo tinha feito aniversário e ganhou do melhor amigo —  atenção para o exemplo, amigos —  uma especialíssima KBS Stout, cerveja feita na terra do Trump, mais precisamente, no Kentucky, e festejada pelo mundo como uma das melhores Ales de linha. Cada garrafa sai por uns R$ 90.
 
Ou  seria uma Schornstein Imperial Stout, brasileira produzida na Holambra, terra de flores, tão boa quanto a KBS? Não me lembro mais, porque quando ouvi a história experimentava um chopinho. E também porque falávamos de cervejas especiais que custam os olhos da cara, provocando a confusão.
 
Mas não importa a marca. A garrafa foi levada para casa com o carinho que se dedica às boas coisas da vida e ainda dormiu uns três dias intacta, fora da geladeira, como convém.
 
Sonhou algumas vezes —  até acordado —  com o prazer que teria com aqueles goles sorvidos vagarosamente. Na sexta-feira, enfim, decidiu abrir a garrafa; comprou uns petiscos e ainda lembrou que precisaria do termômetro para medir a temperatura externa da garrafa e abrir quando atingisse os ideais 6 graus.
 
O devaneio desapareceu assim que chegou em casa. Ainda na garagem, viu o casco vazio do seu objeto de desejo em uma caixa de papelão. Não sabia o que pensar, mas logo imaginou o autor do disparate: o irmão. Entrou gritando, provocando corre-corre naquele até então pacífico lar do Lago Norte.
 
A autoridade paterna foi posta à prova, mas surtiu efeito. O irmão, fazendo cara de inocente, disse que chegou com vontade de tomar uma cervejinha, pôs na geladeira e tomou tudo, praticamente de um gole só. Chamar o objeto de desejo de cervejinha foi o que mais doeu —  mais até do que a perda do precioso líquido —  e a gritaria recomeçou.
 
Houve armistício, mas foi aquela paz forçada, baseada em ameaças maiores e não em perdão. Até porque não haveria perdão, como não houve até hoje, porque o assunto não morreu. O mínimo que esperava do irmão era uma outra garrafa, igualzinha, posta no mesmo lugar, mas até o momento isso não ocorreu.
 
O próprio pai, homem de justiça, também não se propôs a repor o prejuízo. Ele acredita que os irmãos devem se entender, ainda que um tenha levado a pior, porque é prova de que a família tem de se apoiar sempre. Mágoa é difícil de curar; ele já afanou dois alfajores que estavam no quarto do irmão, mas o que são dois confeitos diante da afronta? A peleja ainda está longe do fim.

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