Brasília-DF,
26/ABR/2024

Crônica da semana: Viva a gente

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Publicação:21/04/2017 06:00

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Para muita gente, Brasília é um punhado de prédios bonitos instalados no ermo. Outros veem uma cidade que funciona de terça a quinta-feira. Para muitos, distantes, fede —  ainda mais nesses tempos sombrios e incertos. Há quem enxergue um imenso jardim, que anda meio descuidado, mas ainda viçoso. Mas, para mim, Brasília é gente.

 

As fotos do tempo da construção mostram enxames de trabalhadores que vieram transformar o sonho em concreto. A sociedade foi se formando em volta e os candangos continuam vindo. Há brasilienses da gema que chegaram ontem. Ainda não abandonaram o time do coração, têm saudades da padaria do bairro e da turma do bar. Mas nem pensam em ir embora. Acharam seu lugar na estranha terra nova.

 

Foi-se o tempo em que Brasília era conhecida como capital nacional do desquite —  isso quando se usava o termo. Se dividia entre o misticismo da Cidade Eclética e a morada do “tédio com um T bem grande pra você”, como cantava a Legião Urbana. Faz tempo que o melhor lugar da cidade deixou de sair a saída sul. Graças a sua gente.

 

Gente como Fernando Lopes, um jovem senhor de 85 anos que fez aniversário esta semana mesmo — dia 18 — apenas três dias antes da cidade que ele adotou, ainda jovenzinho e vindo do interior goiano. E ainda faltavam três anos para a inauguração da capital. Aqui, fez a vida. Se apresentou no teatro, era cartaz certo na Rádio Nacional, teve programa de televisão, escreveu em jornal, foi barnabé.

 

Mas o que mais o marcou foi cantar nos saraus promovidos todos os finais de semana no Catetinho, o palácio de madeira que abrigava JK nos tempos de poeira e barro. Na primeira vez em que viu o presidente quase desmaiou —  ninguém em Piracanjuba ia acreditar naquilo.

 

Acostumou-se; era ele o cantor dos boleros que quebravam o silêncio da noite do cerrado e embalavam romances proibidos. Reza a lenda que dona Sarah não gostava muito dele: “Lá vem aquele negrinho arrastar o Nonô para a boemia”, ouviram ela dizer. Como se JK precisasse de alguém para... deixa pra lá.

 

Fernando —  que nasceu Eduardo Gomes e criou o pseudônimo para que não fosse misturado com o herói brigadeiro —  é uma das pessoas que viu a transformação da maquete em cidade. Morador da então Cidade Livre (hoje, Núcleo Bandeirante), teve que improvisar cortinas com folhas de jornal para impedir a entrada do vento gelado pelas frestas da parede de tábuas da pensão.

 

Na inauguração da Rádio Nacional, viu o pavor dos diretores ao descobrirem que o caminhão que trazia os discos havia quebrado em Paracatu —  a solução foi pegar alguns LPs emprestados com Carlos Senna, então dono de um serviço de alto-falante.

 

Viu o vermelho do chão se transformar em gramados verdíssimos — fugiu dos lacerdinhas, os redemoinhos que levantavam poeira e sujavam a impecável elegância que mantém até hoje —, viu as árvores tortas ganharem a companhia de imponentes mangueiras, quaresmeiras e ipês. Viu, principalmente, a cidade ganhar vida. Viva a gente de Brasília!

 

 

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