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17/MAR/2024

Crônica da semana: A matemática do bar

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Paulo Pestana Publicação:20/10/2017 06:00
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Já são milhares de anos de civilização e conquistas, mas ainda há quem acredite que as mulheres têm certas limitações. Assim, algumas profissões continuam mais identificadas com os homens: a matemática, por exemplo. Mas vou me adiantando: discordo, até porque minhas notas sempre ficaram abaixo das meninas em todas as turmas de colégio que frequentei; portanto, sou muito pior.
 
Há pouco, o filme Estrelas além do tempo apresentou a história de três mulheres, negras —  inclusive a matemática Katherine Johnson, que salvou o astronauta John Glenn de uma enrascada quase fatal. Contudo, o preconceito continua. Um amigo gaiato sustentava que a diferença fundamental entre essa ciência e as mulheres é que a matemática tem sete problemas ainda sem solução. “Só sete”, ressaltava ele, sem nunca completar o pensamento misógino.
 
A propósito, um parêntese: o Clay Institute, de Cambridge, oferece um milhão de dólares a quem conseguir solucionar uma dessas sete equações, especialmente a hipótese de Riemann, o mais importante problema matemático.
 
À parte álgebra, trigonometria, teoremas quânticos e outras coisas que para mim são mais misteriosas que os fenômenos do Sanatório Waverly Hills ou as linhas de Nazca, no Peru, sempre fui fascinado pelos cálculos dos donos de botequim, que controlam o ambiente com um olho no caixa e o outro no bêbado. Sem perder centavo.
 
A admiração começou anos atrás, quando o boteco também fazia as vezes de mercearia, com sacos de cereais e farinhas à porta. Contando apenas com um lápis atrás da orelha e um caderno seboso, controlam inclusive os momentos caóticos, como reabastecimento da vitrine de quitutes, limpeza do banheiro e rodízio das garrafas nas geladeiras. E sem parar de chamar a atenção do pessoal que atende.
 
Nem a chegada dos computadores alterou a rotina dos botequins. Bares mais sofisticados oferecem a carta de vinhos num bloco eletrônico que nos obrigam a chamar de tablet; nos melhores botecos, nenhuma tecnologia substituiu a lousa e o giz.
 
A honestidade do freguês facilita a vida do bodegueiro —  se há um lugar em que a corrupção não chegou ainda são os botecos pé-sujo. São ilhas de convivência salutar, solidária e decorosa. Ivanise dos Santos é dona do Grao, estabelecimento de boa reputação no Lago Norte, e garante que ninguém dá tombo. Quando tenta, ela sabe e cobra na volta.
 
Dia desses um vetusto frequentador incitou um companheiro de balcão e lançou um desafio: depois de fechada a conta, pedisse mais uma garrafinha de pescoço longo e saísse sem pagar, de fininho. Era só para ver se a bodegueira prestava mesmo atenção em tudo, como dizia. O plano deu errado: o sujeito pegou a garrafinha, foi embora sem pagar, mas não voltou no dia seguinte. Nem nunca mais. Morreu de ataque fulminante.
 
Agora, quando alguém pede fiado, Ivanise resume a história: o último que pendurou conta aqui, morreu. Recebe tudo à vista.

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