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Crônica da semana: Folias pioneiras

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Paulo Pestana Publicação:09/02/2018 06:00
Nos últimos dias, as redes sociais mostraram uma marchinha de carnaval que brinca com as sentenças do ministro Gilmar Mendes, do STF, quando solta presos ilustres. O veterano João Roberto Kelly resgatou uma tradição que andava esquecida diante do massacre promovido pelos ritmos baianos e seus aê-aê-aê.
 
Mas boa parte da história e da evolução dos costumes no Brasil pode ser contada por meio das marchinhas. De 1899 (ano de lançamento de Ó abre-alas, de Chiquinha Gonzaga) e pelo menos até 1972, os fatos mais marcantes ou as mudanças de humor da sociedade eram os temas que embalavam bailes e a folia das ruas; depois, o samba-de-enredo tomou conta.

Em Brasília não foi diferente. Antes mesmo de completar o primeiro aniversário, em 1961, a cidade viveu o primeiro carnaval, com direito a um concurso que elegeu o melhor samba e a melhor marcha. Parte da história não oficial da cidade começou a ser contada de uma forma diferente, descontraída e, por que não, crítica.

Dez meses depois da inauguração, dois servidores públicos —  Lauro Passos e Fernando Lopes —  foram os grandes vencedores do primeiro certame; fizeram barba, cabelo e só não completaram com o bigode porque não havia mais uma categoria. Com Isso me ama, venceram o concurso de marchinhas; com Me ajude, doutor ganharam entre os sambas.

Não há muito registro deste primeiro certame, embora tenha sido transmitido pela TV Nacional; nem mesmo quem participou dele se lembra exatamente como aconteceu ou quantos concorrentes eram. Mas não era pouca gente, até porque todo o cast de cantores da emissora participou, caso de Fernando Lopes, o primeiro campeão, que ainda dá suas canjas, mas cantando boleros.

E logo no primeiro ano, foram duas histórias bem brasilienses. A marcha Isso me ama foi inspirada na então primeira-dama do país, Maria Theresa Goulart, de estonteante beleza; a piada dos invejosos da época era que ela só havia se casado com Jango —  o presidente João Goulart —  por causa do dinheiro, pois seria muito feio para ela.

O samba vitorioso, Me ajude, doutor, faz referência ao sonho de consumo da época, um apartamento JK, em blocos de três andares e sem elevador.  “Doutor, meu amor me abandonou/ Por não ter onde morar/ Doutor, meu barraco já desmoronou/ Me ajude por favor/ Eu queria um JK para morar”.

A tradição continuou por muitos anos, mas morreu com a derrocada nacional da chamada música de carnaval. Nem sempre Brasília —  ou a vida brasiliense —  foi o tema; a jovem capital já começava a se apresentar para todo o Brasil, mostrando influências diversas —  da bossa nova ao ritmo do iê-iê-iê e personagens da televisão.

Mas a tradição da sátira política e social foi resgatada no final dos anos 1970, com as marchinhas do Pacotão, críticas aos governantes em geral. O bloco comemora 40 anos de fidelidade às marchinhas e infidelidade aos políticos.

P. S. —  Para ouvir as duas campeãs do carnaval de Brasília de 1961, nas gravações originais de Fernando Lopes, basta acessar o blog.

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