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Crônica da semana: Fonte da juventude

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Paulo Pestana Publicação:20/07/2018 06:05Atualização:19/07/2018 19:15
Quando o sujeito chega de mansinho ao bar, é bom desconfiar. Normalmente é uma festa, cumprimentos efusivos, tapinhas e sorrisos. No caso do nosso personagem, o rito ganha contornos bufos, já que tem sempre uma piada pronta para ser contada com graça e gargalhada própria —  é um desses sujeitos que ri mais do próprio chiste do que a plateia.

naquela noite, ele apareceu calado, como chega quem não quer chamar a atenção. Cumprimentou as pessoas e sentou-se. Na verdade, ele esperava a reação dos amigos diante da novidade: havia pintado os cabelos. Já passado dos 60, ele tinha menos cabelos brancos do que muitos que estavam à mesa, mas resolveu acabar com eles.

A tal solidariedade masculina —  tão invejada pelas mulheres —  não protege ninguém nessas situações. O malho é imediato. Foi a primeira vez que nosso amigo não gargalhou, logo ele que achava graça em tudo. Mas mostrou personalidade ao dizer que tinha gostado do resultado estético, embora ninguém acreditasse.

Fala-se muito na asa da graúna para se criar uma imagem da intensidade do negror, mas para ser exato, naquele caso, a graúna tinha que ser mais escura que sovaco de grilo. Nosso amigo é daqueles que acreditam que é possível desafiar o calendário e ficar mais jovem, mas a opinião unânime da mesa é que não tinha conseguido.

Não sei o que acontece com a indústria de cosméticos em relação aos homens. As moças vão ao salão e, depois daquela balaiagem toda —  algum dia eu vou encontrar alguém que me explique o que é uma balaiagem —  saem muito melhor que entraram. Saem loiras, morenas, ruivas, multicoloridas até; todas belas.

Homem é o oposto, até porque não tem muita escolha. É cabelo preto como luto de portuguesa ou acaju — cor que, fora de cabeça de velho, só é encontrada em barco enferrujado; a tal cor-de-burro-quando-foge. Um parêntesis: a expressão original é “corro de burro quando foge”, inspirada na braveza do bicho solto; portanto, nada a ver com o uso atual, sem qualquer sentido.

O resultado é que as mulheres ficam mais bonitas a cada dia e os homens, ridículos como sempre. Eu tenho simancol: A moça do salão que fica ao lado do bar já disse que eu devia fazer luzes; prefiro não, vai que iluminam o fio errado. Respeitem meus cabelos brancos.

Mas pode ser pior. Dia desses encontrei um amigo que ficou me encarando à espera de alguma reação. Eu não conseguia ver nada diferente, até que ele mesmo falou: “tirei tudo”. Tinha a cabeça inteiramente raspada, protegida por um chapeuzinho de feltro.

Ex-guitarrista de um dos primeiros conjuntos de rock da cidade — na época era iê-iê-iê –, ele escondia a avançada calva com uma peruca amarrada aos cabelos laterais. Cansou de ir ao cabeleireiro apertar os nós. E ainda fez troça: “agora não tenho mais caspa nem lêndea”.

O importante é que ficaram os dois satisfeitos —  um de cabelos recoloridos, outro com a careca brilhando. Há quem sustente que não dá para ser feliz sem ser ridículo.

“A moça do salão que fica ao lado do bar já disse que eu devia fazer luzes; prefiro não, vai que iluminam o fio errado. Respeitem meus cabelos brancos.”

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