Crônica da semana: Ao mestre, com carinho
Paulo Pestana
Publicação:07/09/2018 06:00
O olhar da menina que estava com o violão no colo tinha o brilho que vem da admiração; a mocinha que arrumava o violoncelo não escondia o nervosismo; a flautista tinha estampada a cara da felicidade. Eram sete meninas, todas instrumentistas, embevecidas, diante de um mestre.
É uma nova geração de choronas; ainda estudantes, mas com talento evidente. Formam o grupo Segura Elas e estavam na casa de Carlinhos 7 Cordas para mostrar as versões que elas fizeram para alguns dos choros compostos por ele.
A formação não é usual para um grupo de choro — violão, violoncelo, flauta, gaita, dois cavaquinhos e pandeiro —, mas o resultado fez o marca-passo que hoje controla as batidas do coração de Carlinhos ter trabalho redobrado para segurar o tranco.
Carlinhos não tem saído muito de casa. E aguardava o concerto doméstico com expectativa, até que as meninas se instalaram nos sofás da sala e começaram a tocar a que é, possivelmente, sua música mais conhecida, Constituinte.
O choro ganhou esse nome por insistência de um amigo, já que foi composta enquanto era votada a nova Constituição brasileira. Carlinhos já tinha feito a música, mas demorou a dar nome, quando recebeu a sugestão, rechaçada imediatamente.
“E isso lá é nome de choro?”, disse ao amigo. Mesmo sem nome, a música começou a ser tocada por alguns alunos da Escola de Música de Brasília, até que um dia o compositor entrou em uma das salas e perguntou aos alunos se eles sabiam o nome daquele choro e todos responderam: “Constituinte”. Ficou assim até hoje.
A música ganhou um arranjo diferente, mais rico, encorpado. Carlinhos ficou visivelmente emocionado com a homenagem; na sequência, as meninas tocaram Diamantes, uma das canções mais bonitas do mestre, que desabou de vez. E repetiram algumas vezes, atendendo ao pedido do compositor: “Só mais umas dez vezes”, brincou.
As sete mocinhas são alunas da Escola de Música de Brasília numa cadeira iniciada precisamente por Carlinhos 7 Cordas. Criada pelo maestro Levino Alcântara, a EMB foi projetada para formar músicos eruditos, mas, algum tempo depois, o chorinho furou a fila e ganhou uma cadeira; Carlinhos virou professor.
Ele estava, portanto, diante de frutos de uma árvore que ele mesmo plantou, já que as meninas foram levadas pelo violonista Lucas de Campos, ex-aluno de Carlinhos e hoje professor da EMB. A emoção foi tanta que ele não resistiu e pegou o violão novinho para tocar com elas. E elas escolheram Contraste, que ele havia tocado tantas vezes com Waldir Azevedo.
Dedilhou o violão por alguns minutos — “vou ver se eu lembro”, disse — e logo fez a introdução para que as moças tocassem com ele. Foi um privilégio e uma aula para as moças, que prestavam atenção na técnica dele.
Em seguida vieram outros choros: Língua de preto (imortalizada por Pixinguinha e Benedito Lacerda), Doce de coco, Vibrações e Santa Morena (todas de Jacob do Bandolim). A alegria e a emoção foram tantas que com certeza Carlinhos encontrou motivos para fazer uns choros novos.