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Crônica da semana: O fim de uma era

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Paulo Pestana Publicação:12/10/2018 06:00Atualização:11/10/2018 18:31
A Era do Rádio chega definitivamente ao fim com a morte de  ngela Maria. Ela, que começou a carreira imitando Dalva de Oliveira, é a última das grandes cantoras de um tempo em que imagens só podiam ser vistas folheando a Revista do Rádio, algo impensável para as novas gerações, que precisam de múltiplos e consecutivos sentidos —  hoje é quase possível cheirar o suor dos ídolos.

Naquele tempo, o importante para um cantor era a voz; quanto mais poderosa, melhor, herança das óperas, quando tinham que encher todo um recinto sem amplificação, e necessidade nas primeiras gravações mecânicas, feitas a partir de um cone e muito fôlego. Voz,  ngela Maria tinha de sobra; se não é mais reconhecida, a culpa é do repertório frágil.

Desde o início da carreira, ela chamou atenção. Participou de todos os programas de calouro do rádio — escondida da família, fugia da igreja com uma amiga — e vencia; chegou a ser elogiada no ar por Ary Barroso, conhecido carrasco de candidatos a cantor, que garantiu: “Você será a maior cantora do Brasil”. E tinha razão.

Francisco Alves, o maior cartaz da época, a ouviu cantar num dancing —  casas em que se pagava para dançar com as moças do salão — e repetiu o vaticínio. Logo depois ela seria conhecida como Sapoti, a cantora favorita de Getúlio Vargas.

Desde então, fez versões definitivas de canções clássicas como Gente humilde, de Garoto, Vinicius e Chico, que antes havia sido gravada sem sucesso por Márcia, lançou alguns sambas-canção de qualidade, como Fósforo queimado (de Menezes, Legey e Lamego) e Vida de bailarina (de Chocolate e Américo Seixas) e boleros como Recusa, de Herivelto Martins, que a definiram como maior revelação dos anos 1950.

 ngela Maria também fez regravações importantes de canções marcantes, caso de Carinhoso, Linda flor (Ai, Ioiô), Ave Maria no morro e Saia do caminho —  mas são exceções no repertório, que não seguia qualquer padrão de qualidade. Gravou quase 120 discos. E foi tomada por uma maldição chamada Babalu.

Gravada em 1955 num disco que nem era dela —  estava do LP Feito pra dançar, de Waldir Calmon —  e durante um ensaio (quando os músicos acreditavam que estavam prontos para registrar, o técnico anunciou que já havia gravado e que estava ótimo), Babalu é uma rumba cubana de Margarida Lecuona, uma saudação a um orixá.

Virou encosto. Desde que a gravou,  ngela Maria não fez um show sequer sem a canção. Chegou a declarar que não aguentava mais cantar Babalu, mas não havia jeito, nunca contrariou o público e soltava a voz. E sempre com o vocalize característico durante o improviso dos músicos.

A morte de  ngela Maria é a coda de uma sinfonia de vozes que embalou romances que muito provavelmente nos trouxeram a esse mundo; as vozes do rádio formaram casais por todo o Brasil e ajudavam a fazer um sexo bem diferente da proposta de MC Carol (“cospe na minha cara, me esculacha e vem por cima, puxa meu cabelo me chamando de bandida”). Ainda bem que eu nasci antes.

Tags: crônica

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