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26/JUL/2024

Crônica da semana: Conversa envenenada

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Paulo Pestana Publicação:12/04/2019 06:00
A frase surgiu como uma pichação, na efervescente Paris de 1968: é proibido proibir. Portanto, o bispo Dom José Francisco Galvão errou ao dizer que daria veneno de rato para o autor da música, que apenas reproduzia a frase; e o compositor, Caetano Veloso, também não fez questão de lembrar que só fez a canção depois de muita insistência do empresário dele à época, Guilherme Araújo, que cheirou polêmica, o que é bom para vender discos e shows.

Protesto e negócios se juntaram definitivamente quando a gravadora Philips decidiu lançar um compacto simples — um disquinho com duas músicas, uma em cada face — só com a faixa, que concorreu ao Festival Internacional da Canção: do lado A, a gravação feita no estúdio; do lado B, o que foi descrito como “ambiente do festival”, e que não era nada mais nada menos que uma apoteótica vaia.

Parte da plateia ficou de costas para o palco, Os Mutantes, que acompanhavam Caetano, ficaram de costas para o público. Atarantado, o cantor deixou de lado o discurso em homenagem a Cacilda Becker que havia preparado e improvisou: “Mas é isso que é a juventude que quer tomar o poder? A mesma juventude que vai sempre matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem. Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada”, gritou ao microfone. No final do desabafo, ele ainda lembrou: “E por falar nisso, viva Cacilda Becker!”.

Não parou por aí e ainda sobrou para os jurados — “O júri é muito simpático, mas incompetente”, disse antes de voltar a cantar, fora do ritmo, do tom e da melodia. Ainda assim ficou entre as classificadas para serem apresentadas na fase final.

Mas a música é fraca; foi vencida pela polêmica seguinte: a vitória de Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, sobre Para não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré. Até a vaia dedicada aos vencedores foi maior que a recebida por Caetano. E É proibido proibir caiu no esquecimento, não está nem nas coletâneas do artista.

O bispo, no entanto, resgatou a canção. Caetano Veloso disse que vai processá-lo, mas deveria agradecer por tirar a música do ostracismo; mas veneno de rato é punição brutal. Dr. João Carlos nos disse no bar que causa diarreia, coriza, falta de ar, câimbras, dor abdominal, sangramentos e, sim, mata.

Um dos tipos de veneno para rato é estricnina, imortalizado por Adoniran Barbosa na música Tiro ao Álvaro, e que vitimou o compositor Assis Valente — suicidou-se num banco de praça, no Rio de Janeiro, depois de ingerir chumbinho (organofosforado), misturado com guaraná. Foi uma morte sofrida, com violentos espasmos provocados pelo veneno, imprópria para pragas cristãs.

Além disso, Dr. João Carlos disse que há venenos mais eficazes, como o arsênico, que matou Napoleão e Bolívar, toxina bulímica, famosa nos livros de Sherlock Holmes, e o cianeto, o favorito dos romances de espionagem. Mas é, como disse o mineirinho, ao perguntar sobre o suicídio: “Foi tiro?”. “Não”, responderam, “formicida”. Ele cofiou o bigode e vaticinou:
– Bão tamém”.

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