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Crônica da semana: Outras palavras

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Paulo Pestana Publicação:13/09/2019 06:03
Cáspite! — A exclamação saiu da boca de um rapaz que certamente não tinha ainda seus 20 anos. E pelo jeito não sabia bem o que estava dizendo; pelo menos não ao se considerar o significado original da expressão carcamano-brasileira, usada para representar uma estupefação qualquer, sinônimo de caramba, poxa, nossa, vixe e dezenas de outros.

Mas o rapaz estava apenas provando e — pelo jeito — aprovando um quitute na mesa da padaria, como se estivesse dizendo ótimo, sensacional. Se fosse para ir a antanho, melhor seria dizer supimpa, mirífico ou, quem sabe, pindárico.

Não estou muito por dentro dessas gírias mais novas, mas pode ser que mais uma vez tenham invertido ou mudado o sentido original da palavra, como já aconteceu com o adjetivo cabuloso, que antigamente dava nome a quem trazia má sorte e, recentemente, passou a ser algo irado que, aliás, significava furioso e que, por sua vez, já foi sinônimo de colérico, que agora pode ser traduzido como impetuoso.

A última vez que tinha ouvido — ou melhor, lido — a palavra cáspite foi num dos livros de Monteiro Lobato — talvez Emília no País da Gramática, talvez Dom Quixote das Crianças, provavelmente nos dois. Curioso, porque são livros infantis, mas o termo vem de uma palavra bem adulta, cazzo, que os italianos usam para muitas coisas, nenhuma delas edificante. 

Cáspite estava na boca das crianças, ao lado de outras interjeições hoje em desuso, como homessa (que nasceu na união de homem com essa) e alvíssaras, ou ainda expressões que hoje soam estranhas, como “vá pentear macacos” ou “pensar na morte da bezerra”.

Talvez o primeiro intransigente da língua portuguesa tenha sido o filólogo Antônio Castro Lopes, que viveu entre 1827 e 1901. Por odiar estrangeirismos, propôs uma série de novos vocábulos para a língua de Camões e do ministro Weintraub, quase todos derivados do latim ou grego e, diga-se, horrorosos, como ludânbulo (turista), focalo (abajur) e cinesíforo (motorista), como lembra artigo de Mouzar Benedito, coletado por Roldão Simas Filho.

Não deu muito certo. E daria muito menos hoje, quando a informática impõe novas palavras todo dia, todas derivadas do inglês. E tem acontecido até o contrário: expressões que já absorvidas estão mudando, caso do cachorro-quente, que voltou a ser hot-dog; mais um pouco, vão nos exigir o sotaque.  

A língua das ruas vive a desafiar o idioma. Mas os neologismos vêm de todo canto, até do gibi do Batman, onde petralha — a junção de petista com metralha proposta pelo jornalista Reynaldo Azevedo — virou tradução para nasty (sujo, sórdido) num dos balões da historinha — “E o maldito petralha tem o dia todo para desfraldar seus impropérios”, diz um carcereiro ao próprio homem-morcego. 

Não surpreende, ou não devia: em 2017 o jornal The Washington Post relacionou petralha entre seis palavras fundamentais para se entender o Brasil. As outras seriam: coxinha, crise, jeitinho, zoeira e... gourmetização. Não sei se me arriscaria a escolher palavras que possam definir o país hoje, apenas dois anos depois. Mas cáspite seria uma delas — ou no original mesmo: cazzo!!

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