Crônica da semana: Entre uivos e canções
Paulo Pestana
Publicação:20/09/2019 06:00Atualização: 19/09/2019 12:34
Os suspiros brasileiros iam para Clark Gable e Rita Hayworth, emoções se misturaram entre John Wayne e Ava Gardner — atores norte-americanos mandavam nos cinemas na virada dos anos 1930 para 1940, quando o pesadelo da Segunda Guerra Mundial se sobrepôs aos sonhos de Hollywood; os estúdios de cinema estavam envolvidos no esforço de guerra contra os nazistas. Mas é impossível deixar de sonhar.
Uma nova leva de artistas apareceu nas telas brasileiras, trazendo uma língua mais amigável, contando histórias distintas e embalados numa música diferente. E outros rostos: Ramón Valdez substituía Humphrey Bogart, Maria Felix ocupava o lugar de Veronica Lake, havia Pedro Infante ao invés de Cary Grant, Dolores del Rio no lugar de Ginger Rogers.
Eram mexicanos, estrelaram de 80 a 100 filmes por ano — quase dois por semana! — e supriam o espaço deixado pelas estrelas norte-americanas. E encantaram o Brasil.
Nessa época, um adolescente de Inhúmas, Goiás, não saia do cinema. Era atraído pelas histórias, mas muito mais pela música, rancheiras tocadas por mariachis do estado de Jalisco, grupos criados a partir de instrumentos de cordas, mas que são mais lembrados pelos sopros esganiçados que acompanham um cantor se esgoelando.
O jovem Eduardo vibrava com as atuações de cantores/atores como Jorge Negrete e Miguel Aceves Mejía, que entre um romance e uma cavalgada, soltavam a voz em agudos e falsetes de arrepiar o último cabelinho da nuca. Canções como Yo Tenía um Chorro de Voz, Alma Llanera, El Jinete ficaram na memória — imagine-se quantas vezes era preciso assistir a um filme para decorar letras que não saíam nas revistas de modinhas.
O mundo girou, o rapaz virou cantor e, já em Brasília, de sombrero, colete e calça acima do umbigo, emulou um mexicano como contratado da Rádio Nacional; e passou a se chamar Fernando Lopes, para não ser confundido com um político da época.
Chegava a usar ferro pelando de quente para esticar os cabelos — todo sacrifício pela arte — até que numa excursão a Manaus, sob os efeitos da umidade amazonense, sentiu a cabeleira encolher, voltando à carapinha normal. Afundou o sombrero e seguiu cantando.
Encantava pelo timbre, extensão vocal e repertório com os melhores boleros, mas principalmente pelos finais apoteóticos com as canções rancheiras, quando encarnava um cantor mariachi, com todos os uivos e trejeitos vocais. Não perdeu o jeito.
De uns dias para cá, Fernando Lopes sentiu vontade de retomar a estrada para Jalisco, estado mexicano que abriga Guadalajara, onde o Brasil forjou a história do tricampeonato de futebol. E, sem esquecer dos boleros, começou a cantar Ay Jalisco no te Rajes, do repertório de Mejia, e La Bamba, do folclore mexicano, mas na versão dos Hermanos Huesca.
Todo domingo à noite, ele tem transformado o Grao, bar do último comércio do Lago Norte, num pedacinho de Guadalajara e solta a voz, com direito a todos os uivos: “Me gusta escuchar los mariachis, cantar com el alma sus lindas canciones, oir como suenam esos guitarrones, y echarma un tequila com los valentones”.
E completa: “ui, ui, ui!”.