Crônica da semana: Tratando de chatos
Paulo Pestana
Publicação:11/10/2019 06:00
Ainda há cavalheiros. E meu amigo é um deles. Trata as pessoas com respeito, fala baixo, abre caminho para as moças, presta atenção em tudo o que dizem a ele, é solicito; enfim, é um homem meio perdido nesses tempos de falta de educação generalizada. É um sujeito fino.
Mas até os cavalheiros perdem a fleuma. Me puxou num canto, discretamente, e disse baixinho: “Será que ela sabe que é tão chata?” Falava de uma amiga comum; e eu devolvi, socraticamente, com outra pergunta: “E sabem os chatos que são chatos?”.
Eu já sabia a resposta. Claro que não. A chatice é involuntária, embora seja distinta, distribuída em diversas categorias, que vamos conhecendo pela vida. O pior e mais conhecido de todos é o chato-grude, que só conversa cochichando, agarrando e dando banho de perdigotos.
Uma das principais lições aprendidas nos botecos é a facilidade em reconhecer chatos. Basta ver jeito de andar. Os menos atentos podem observar o suspiro mais profundo de algum companheiro de sensibilidade mais apurada.
Dia desses apareceu um exemplar desses grudentos que, infelizmente, não está na lista de animais em extinção das ongs. Estávamos no bar, onde desenvolvemos uma técnica bastante eficaz para evitá-los: ficar sentado. Esse tipo de chato dá preferência a vítimas que estejam de pé, talvez para poder chatear com mais eficiência.
O pessoal que prefere ficar no balcão paga o pato.
Mas há muitas outras espécies maçantes. O chato-gatinho, por exemplo, que sofre de curiosidade mórbida e criva o cidadão de perguntas aborrecidas; o chato-esgoto, que só fala perto do nariz do cristão para exalar melhor o mau hálito; o chato-pavão, que se coloca sempre como personagem principal de todas as histórias.
Também muito comum é o chato-maratonista, incansável na perseguição aos incautos e que tem a habilidade de aparecer de repente onde menos se espera — são meio ninjas. Mais raros são chatos-gente boa, contraditórios, porque são pessoas de bem mas que, por excessos, aborrecem.
A amiga que originou a conversa inconveniente, no entanto, pertence a outra categoria, a dos chatos-engajados. É um espécime em expansão, que sofre de cegueira parcial — só enxergam o que querem. Extremados, têm alma de catequistas; querem não apenas impor suas ideias, mas forçar argumentos malucos, convencer pela força e, como os alunos bruxos de Hogwarts, chamam os outros de trouxas.
Foi ela quem tirou o amigo do sério. Esse espécime costuma ter um discurso ensaiado, repleto de frases feitas e adjetivos — fico imaginando que ficam em frente ao espelho como um advogado ensaiando uma sustentação oral para melhor chatear. E têm uma capacidade imensa de falar sem respirar; mais ou menos como saxofonistas de jazz, que inspiram e aspiram ao mesmo tempo.
O fato é que eles estão por toda parte; alguns são íntimos, chatos-essenciais, que até fazem falta, embora irritantes e indiscretos como os demais. É como disse o Faixa, com aquele ar de sabedoria das corujas-buraqueiras: “Todo mundo tem um amigo chato. Se você acha que não tem, batata: é você”.